“O Tempo Não Para” termina com maquiagem histórica sobre São Paulo
Mauricio Stycer
29/01/2019 05h01
Uma das qualidades de "O Tempo Não Para" foi traçar paralelos entre a realidade do país em 1885, onde viviam os protagonistas da trama, e 2018, onde desembarcaram após serem descongelados.
Como registrou o colunista Nilson Xavier, o espanto dos congelados com o mundo atual foi o espaço que o autor, Mário Teixeira, encontrou para salpicar alguma crítica social, com observações sobre corrupção, machismo, diferenças de classe, distribuição de renda, e, principalmente, racismo.
No último episódio, porém, Teixeira resolveu tratar de um tema mencionado poucas vezes ao longo da novela – a poluição do rio Tietê, que corta parte de São Paulo. E fez isso de uma maneira estranha, maquiando, embelezando, a história verdadeira da cidade.
Escrevendo uma carta, dom Sabino (Edson Celulari) narrou o destino de todos os personagens. "Nós, eternos cidadãos da minha Freguesia do Ó, 133 anos depois do nosso tempo (ou seja, em 2018), seguimos fortes neste novo século, nos surpreendendo com invenções admiráveis, e nos assustando com uma humanidade às vezes injusta. Mas, como disse o bardo inglês, tudo acaba bem, quando termina bem".
Por três minutos, então, falou de cada um dos congelados e de outros personagens ao redor deles. A certa altura, enquanto uma imagem mostrava Marino (Marcos Pasquim) e Eliseu (Milton Gonçalves) pescando num barquinho, o narrador disse: "E os nossos planos de despoluir o rio surtiram efeito. O meu amado Tietê voltou a sorrir".
Como se sabe, o rio Tietê continua poluído, ao menos na cidade de São Paulo. Os planos oficiais de despoluição até hoje torraram milhões de reais com resultados efetivos discutíveis. Em setembro de 2018, reportagem da BBC, publicada no UOL, mostrou que o rio estava morto ao longo de 122 quilômetros, ou 11% de sua extensão.
Os dados são da Fundação SOS Mata Atlântica. A ONG acompanha o retrato da qualidade da água e a evolução dos indicadores de impacto do Projeto Tietê, lançado em 1992 com financiamento do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Houve, de fato, melhora. Quando o projeto começou, a poluição dominava 530 quilômetros do rio. Mas ainda falta muito para o rio voltar a sorrir.
"O Tempo Não Para" tinha fôlego para ser uma boa série, não uma novela
Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
Sobre o blog
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