Record ajuda Bolsonaro ao exibir entrevista na hora do debate da Globo
Mauricio Stycer
05/10/2018 05h01
Uma grande questão que envolve a entrevista concedida por Jair Bolsonaro à Record diz respeito ao horário de exibição. Por que a emissora decidiu levá-la ao ar exatamente no mesmo horário em que a Globo dava início ao último debate presidencial com sete candidatos?
Pensando no interesse público, não faria muito mais sentido que esta entrevista fosse exibida em horário que não coincidisse com o debate, dando a oportunidade aos espectadores de assistirem, se quisessem, aos dois eventos?
Ao optar pelo confronto, a Record deu a entender que se colocou do lado de Bolsonaro. Uma vez que ele não foi autorizado por seus médicos a participar do debate, passou a impressão que a emissora ofereceu uma "compensação" ao candidato do PSL – aparecer na TV ao mesmo tempo que os rivais, em uma situação muito mais confortável.
Ele teve a oportunidade de falar abertamente sobre as suas ideias e projetos, além de atacar os adversários, sem ser contestado em momento algum pelo entrevistador. Perguntas abertas e sem foco, abriram espaço para Bolsonaro discursar livremente. Em boa parte dos 27 minutos, o "Jornal da Record" pareceu o horário da propaganda eleitoral gratuita que o candidato não teve durante a campanha (tinha direito a apenas 10 segundos por programa).
Vale a pena comparar a entrevista de Eduardo Ribeiro com as realizadas por José Luiz Datena (Band) e Boris Casoy (RedeTV!) no hospital Albert Einstein há uma semana. Os dois veteranos foram educados e respeitosos com Bolsonaro, como seria de se esperar, mas levantaram questões mais complexas e replicaram respostas do candidato.
Do ponto de vista da audiência, a opção da Record se mostrou vitoriosa, segundo dados do Ibope. O "Jornal da Record" registrou números superiores à sua média habitual e deixou a emissora em segundo lugar, à frente do SBT, o que não costuma ocorrer neste horário.
A decisão da Record, generosa em todos os sentidos com Bolsonaro, ocorreu dias depois de Edir Macedo, fundador da Igreja Universal e dono da emissora, declarar apoio na eleição ao candidato do PSL. A presença do vice-presidente de jornalismo da emissora, Douglas Tavolaro, na casa de Bolsonaro, ao lado do repórter que entrevistou o candidato, como divulgado pela emissora, reforçou ainda mais o caráter oficial do evento.
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
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