Acusada de dar mau exemplo, Globo adverte: violência contra mulher é crime
Mauricio Stycer
30/10/2017 05h01
Gael (Sérgio Guizé) e Clara (Bianca Bin) se conheceram nas primeiras cenas de "O Outro Lado do Paraíso". Ao final de cinco capítulos ele já teve quatro crises de ciúmes por causa da amada. Já a assediou moralmente duas vezes. E foi violento fisicamente com ela em três situações.
Por ciúmes, no primeiro capítulo Gael agrediu Renato (Rafael Cardoso) e ameaçou empurrá-lo em um penhasco. No segundo capítulo, novamente com ciúmes do médico, interrompeu a própria festa de casamento e tentou agredi-lo, além de gritar com vários convidados.
No terceiro capítulo, Gael foi rude com Clara quando ela contou ter conhecido Elizabeth (Gloria Pires). "Não é bom a gente conversar com quem a gente não conhece", justificou, rasgando o cartão que Elizabeth deu para a mulher. E a proibiu de ter um telefone: "Pra que celular? Pra falar com quem, Clara?", perguntou, antes de jogar o aparelho num vaso com água. Logo depois, pediu desculpas novamente. "Você muda tão de repente, nunca sei o que pensar", suspirou Clara. "Minha ex-mulher me traiu", justificou.
No quinto capítulo, desesperado, Gael pede desculpas para Clara. "Eu não sei por que eu fiz isso". Em outra cena, num restaurante, um garçom reconhece Clara do quilombo onde ela dava aulas e a elogia. Gael se enfurece.
Sophia novamente força Gael a beber e diz: "Eu não gostei do jeito que aquele garçom falou com a Clara naquele jantar", insinuando que o rapaz teria algo com Clara. "Eu acho que você tem que ser mais firme com a tua mulher. Mostra quem manda naquela casa". Gael vai para casa e agride Clara novamente. Dá um tapa na cara, a puxa pelo cabelo e a empurra. Clara rola a escada e desfalece. O marido a leva ao hospital.
Ao final do quinto capítulo, antes que alguém acusasse a Globo de estar incentivando a violência contra mulheres, a emissora estampou um aviso na tela: "Violência contra a mulher é crime. Denuncie. Ligue 180. Central de Atendimento à Mulher".
Não custa lembrar que, desde 2011, todos os programas da Globo, exceto os de auditório e de jornalismo, exibem uma mesma frase ao final: "Esta é uma obra de ficção coletiva baseada na livre criação artística e sem compromisso com a realidade". Esta advertência, nos dias de hoje, não é mais suficiente. Parte do público parece confundir, de fato, ficção com realidade. E, pior, muita gente, por razões que desconheço, tem estimulado esta confusão.
Tenho várias restrições à forma como Walcyr Carrasco apresentou a relação de Gael e Clara nestes cinco capítulos, mas isso é assunto para outro texto.
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
Sobre o blog
Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.