Livro resgata a história e os feitos heróicos do jornalismo esportivo na TV
Mauricio Stycer
03/08/2017 05h01
O projeto de Alberto Léo era ambicioso. Entre 2001 e 2005, ele fez dezenas de entrevistas e colheu vários testemunhos sobre episódios importantes, mas não chegou a concluir o livro, que pretendia chegar até os dias atuais.
Depois de sua morte, por causa de um câncer, um irmão do jornalista entregou o material para a editora Maquinária, que aceitou o desafio de organizar e editar o livro.
Ainda assim, pela reunião de dados importantes e detalhes laterais, "História do Jornalismo Esportivo na TV Brasileira" é um livro formidável para quem se interessa pelo assunto.
Alberto Léo reconstitui, passo a passo, o nascimento do gênero na TV – os primeiros programas e transmissões esportivas, os profissionais que trocaram o rádio pela nova mídia e os desafios, muitas vezes heróicos, envolvidos na tarefa de mostrar uma partida de futebol na televisão.
Já no final década de 50 surgem os primeiros conflitos entre emissoras de TV, clubes e federações por questões de direitos. Em 1961, o medo de que o futebol na TV afugentasse o público dos estádios leva à proibição de transmissão ao vivo de jogos no Rio.
A primeira Copa do Mundo transmitida ao vivo no Brasil foi a de 1970. Nas anteriores, entre 1954 e 66, os jogos da seleção eram exibidos em vídeo-tape um ou dois dias depois de realizados. Alberto Léo dedica cuidado especial na pesquisa a cada uma das coberturas, até a da Copa de 90, que ficou marcada não apenas pelo fracasso da seleção de Lazaroni, mas pela morte, em Roma, do comentarista João Saldanha (1917-1990), então trabalhando na Manchete.
"Decidimos dispensá-los, não por uma questão de competência, mas de desobediência", diz Boni, então o segundo principal executivo da emissora, abaixo apenas de Walter Clark (1936-1997). Segundo ele, Saldanha e Geraldo José de Almeida desobedeceram dois procedimentos estabelecidos pela direção – conversavam entre eles durante os jogos, o que a emissora havia proibido, e deram um tom excessivamente pessimista às transmissões. "Queríamos críticas, mas proibimos lamentações", diz Boni.
A pesquisa de Alberto Léo é centrada em Rio e São Paulo, mas há também espaço para rememorar feitos alcançados em outros pontos do país. O número de profissionais e programas lembrados é gigantesco – falta um índice onomástico, essencial num livro destes.
Para mim, pessoalmente, o livro proporcionou o prazer de ler a respeito do primeiro programa esportivo que me lembro de assistir, o "Ataque e Defesa", apresentado por Ruy Porto entre 1968 e 1974 na TV Tupi. Ia ao ar nas noites de domingo, depois do "Programa Flavio Cavalcanti", e marcou época por duas novidades. Exibia os gols da rodada em diferentes Estados e o comentarista usava uma mesa de botão com imãs, pregada na parede, para explicar como as equipes do principal jogo do domingo atuaram.
Outro projeto importante abordado pelo livro foi o "Show do Esporte", iniciativa de Luciano do Valle (1947-2014) na Band, nos anos 80, que configurou o que viria a ser, com a TV por assinatura, um "canal do esporte".
O livro deixa algumas lacunas, talvez a mais importante seja não se aprofundar na questão de negócios em que se transformou o esporte na TV. Alberto Léo relata vários episódios envolvendo disputas por direitos esportivos desde a década de 60, mas não atenta para o fato de que esta questão seria determinante para os rumos do próprio jornalismo esportivo na TV.
É bem possível que tratasse deste tema com mais profundidade no segundo volume do livro que projetou. Em todo caso, esta "História do Jornalismo Esportivo na TV Brasileira" é um legado importante que deixou para todos que se interessam e pesquisam sobre o assunto.
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
Sobre o blog
Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.