Alegre e relevante, Esquenta! não conseguiu se adaptar ao país em crise
Mauricio Stycer
31/12/2016 06h01
Vai ao ar neste domingo, primeiro dia de 2017, o último "Esquenta!", na Globo. A data é, de certa forma, simbólica. O programa apresentado por Regina Casé foi ao ar pela primeira vez em 2 de janeiro de 2011, trazendo uma longa entrevista com Lula, então recém-saído da Presidência.
Como escrevi em algumas ocasiões, o "Esquenta!" foi o aprimoramento de diversas outras experiências que Regina e sua equipe vinham fazendo desde o "Programa Legal" (1991-1992), e depois em "Muvuca" (1998-2000) e "Central da Periferia" (2006), todos eles com a pretensão de mostrar o "país real" ao espectador.
Várias destas iniciativas, notei, foram marcadas por um tom missionário, incômodo, bem como por uma felicidade ingênua que não encontrava guarida na realidade do país.
Com o "Esquenta!", Regina encontrou o tom certo no momento exato. O Brasil vivia, nos primeiros anos do programa, uma situação econômica positiva, com claros sinais de inclusão social e ampliação da classe média. Não à toa, na estreia da terceira temporada, em dezembro de 2012, a convidada de honra foi a então presidente Dilma.
Com uma postura politicamente correta, o "Esquenta!" sempre discursou a favor da inclusão, se posicionou contra todas as formas de preconceito e se manifestou em defesa da pluralidade – tanto de ideias, quanto musical. E, diferentemente do "Domingo Show", de Geraldo Luis, ou do "Caldeirão do Huck", para citar apenas dois, nunca fez assistencialismo.
O "Esquenta!" nunca foi um estouro de audiência, mas isso não parecia um problema até o momento em que Regina começou a perder, em São Paulo, para o apelativo programa da Record.
Ao longo de 2015, começou a ficar claro que o tempo da atração havia passado. A alegria do seu auditório perdeu contato com a realidade – até o ponto de exclamação do título ficou deslocado. Isso ficou ainda mais evidente na temporada 2016.
Reformulado, o "Esquenta!" resolveu correr atrás da "emoção". Para isso, Regina passou a gravar parte do programa na casa de famílias em diferentes cidades do país. O auditório teve a sua importância diminuída e, musicalmente, ficou menos impactante.
Lamento pelo fim do "Esquenta!", mas entendo que realmente o programa não conseguiu se adequar aos novos tempos. Espero que a equipe responsável tenha a oportunidade de desenvolver outros projetos na TV.
Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
Sobre o blog
Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.