Por que os remakes de humor não incluem novos personagens?
Mauricio Stycer
23/10/2016 05h01
Tenho lido a respeito do remake de "Os Trapalhões", que a TV Globo pretende fazer. Visto como uma homenagem, parece-me interessante. E mais ainda será se houver o cuidado de incluir Renato Aragão e Dedé Santana, que aí estão, sem falar no Mussum e no Zacarias, que sempre estarão.
Esse será o segundo remake num espaço de dois anos. A "Escolinha do Professor Raimundo" foi uma iniciativa muito bacana, que teve performances marcantes e deliciosas juntamente com um viés de muita emoção. Deu tão certo que agora temos uma segunda temporada com o título de "Escolinha do Professor Raimundo – Nova Geração". E é neste ponto que me pergunto: por que "nova" se os personagens são aqueles mais do que consagrados?
Mas o ponto que eu gostaria de comentar não é o remake em si e sim o fato de eu não conseguir entender por que não há uma atualização em termos de personagens mesmo que mesclados àqueles consagrados pelo público.
"A Praça É Nossa", programa que conheço muito bem, quando estreou em 1987, era um revival do revival. Sim, era um revival da "Praça da Alegria", da Globo (1977/78), que por sua vez era um revival da "Praça da Alegria" criada pelo velho Manoel de Nóbrega, em 1957, e inicialmente exibida pela TV Paulista, Canal 5.
Então, por que os remakes de humor não trazem novos personagens?
Do meu ponto de vista, uma explicação talvez resida no fato de que pelo menos as duas últimas gerações do humor televisivo tiveram sua formação principal vinda do stand up comedy. Este segmento de humor não se utiliza do personagem e sim do trabalho de ator que, sozinho no palco, leva ao público a sua visão humorística dos fatos cotidianos.
É bem verdade que nem todos seguem essa premissa e transformam o espetáculo de stand up numa simples colcha de retalhos de piadas compiladas da internet. É daí, deste segundo time de stand up, que, em geral, saem os que vão para a TV e desenvolvem apenas tipos: um bêbado, uma perua, um gay, uma louca, um gordo… Tipos sobrevivem, quando conseguem, exclusivamente da piada e do bordão. Já o(a) personagem vive da sua personalidade e coerência; de como pensa e como age.
Pode ser que na quase falência do humor em rádio e na grade apertadíssima das emissoras (muitas, como nas rádios, por terem loteado sua programação a televendas, milagres e outras coisas) esteja um dos motivos da dificuldade em se encontrar criadores de personagens: a falta de espaço para exercitar.
Acredito muito no humor e na comédia como forma de crítica e transgressão ao que é pré-estabelecido. Se não acreditasse, não estaria há mais de três décadas vivendo disso e nem estudando a respeito. Por isso, penso que está mais do que na hora de os responsáveis pelo humor televisivo, e de outras mídias também, criarem espaços e alternativas para que a experiência e a força jovem possam compartilhar, debater e encontrar caminhos para essa forma de arte tão complexa, que se chama humor.
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
Sobre o blog
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