Corajosa, “Velho Chico” coloca o dedo na ferida do racismo
Mauricio Stycer
01/07/2016 07h03
De uma linhagem de coronéis nordestinos, Afrânio de Sá Ribeiro (Antonio Fagundes) reproduz em sua fazenda um arranjo arcaico, no qual é reservado aos negros o espaço da roça e da cozinha. Por isso, o seu queixo cai ao ver a negra Sophie pela primeira vez.
Sophie estuda moda em Paris. Compreende português o suficiente para se dar conta que os comentários de Afrânio e também de Carlos Eduardo (Marcelo Serrado), pai de Miguel, são racistas. Fica chocada, mas não se altera, apenas comenta em voz baixa com o namorado.
Na cozinha, a empregada Dalva (Mariene de Castro) assiste a tudo entre espantada e maravilhada – tem dificuldade de entender que uma negra como ela está na sala, sentada com os patrões. Diz a Doninha (Sueli Bispo), a empregada mais antiga, que quer aprender francês.
Afrânio e Carlos Eduardo, a sós, são ainda mais explícitos no racismo. "Nessa casa, não passa da cozinha", diz o coronel sobre Sophie. "Miguel não entende que somos a elite deste país. Eu não sou preconceituoso, mas esse país é racista", diz o deputado. "Se livre dessa uma", pede Afrânio ao genro.
"Não admito nenhum palavra sobre ela. Não quero ouvir esse teu preconceito camuflado de intolerância. Tá nos seus olhos. Num país negro, mestiço, como o Brasil, o senhor ainda tem a ignorância de dividir as pessoas pela cor da pele. E não tem nenhuma palavra bonita que o senhor possa dizer que vai mudar o que o senhor sente aí. O senhor acredita num Brasil retrógrado, um país sem cidadãos, só com escravos e patrões. O senhor venera com orgulho as maiores atrocidades e vergonhas desse pais. E alimenta isso. E quer propagar isso pelas próximas gerações. Mas eu não vou permitir."
Foi, enfim, mais um capítulo de alto nível – e corajoso – de "Velho Chico".
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
Sobre o blog
Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.