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Corajosa, “Velho Chico” coloca o dedo na ferida do racismo

Mauricio Stycer

01/07/2016 07h03

A chegada de Sophie (Yara Charry), a namorada francesa de Miguel (Gabriel Leone), colocou em primeiro plano em "Velho Chico" um tema que estava sendo tratado, até então, apenas de forma implícita: o racismo. Praticamente o capítulo inteiro desta quinta-feira (30) foi dedicado a discutir o assunto de uma forma sensível e inteligente.

De uma linhagem de coronéis nordestinos, Afrânio de Sá Ribeiro (Antonio Fagundes) reproduz em sua fazenda um arranjo arcaico, no qual é reservado aos negros o espaço da roça e da cozinha. Por isso, o seu queixo cai ao ver a negra Sophie pela primeira vez.

Assim que a jovem entra em sua casa e se senta à mesa do jantar, ele não consegue controlar o racismo. Em voz alta, na frente de toda a família e da convidada, diz: "Mas é uma negrinha! Precisava atravessar o Atlântico pra isso? Com o tanto que temos aqui".

Sophie estuda moda em Paris. Compreende português o suficiente para se dar conta que os comentários de Afrânio e também de Carlos Eduardo (Marcelo Serrado), pai de Miguel, são racistas. Fica chocada, mas não se altera, apenas comenta em voz baixa com o namorado.

Na cozinha, a empregada Dalva (Mariene de Castro) assiste a tudo entre espantada e maravilhada – tem dificuldade de entender que uma negra como ela está na sala, sentada com os patrões. Diz a Doninha (Sueli Bispo), a empregada mais antiga, que quer aprender francês.

Afrânio e Carlos Eduardo, a sós, são ainda mais explícitos no racismo. "Nessa casa, não passa da cozinha", diz o coronel sobre Sophie. "Miguel não entende que somos a elite deste país. Eu não sou preconceituoso, mas esse país é racista", diz o deputado. "Se livre dessa uma", pede Afrânio ao genro.

Carlos Eduardo, então, dirige-se ao quarto do filho, para tentar resolver o "problema" Sophie. Miguel não deixa o pai falar e faz um discurso contundente:

"Não admito nenhum palavra sobre ela. Não quero ouvir esse teu preconceito camuflado de intolerância. Tá nos seus olhos. Num país negro, mestiço, como o Brasil, o senhor ainda tem a ignorância de dividir as pessoas pela cor da pele. E não tem nenhuma palavra bonita que o senhor possa dizer que vai mudar o que o senhor sente aí. O senhor acredita num Brasil retrógrado, um país sem cidadãos, só com escravos e patrões. O senhor venera com orgulho as maiores atrocidades e vergonhas desse pais. E alimenta isso. E quer propagar isso pelas próximas gerações. Mas eu não vou permitir."

A matriarca da família, Encarnação (Selma Egrei), também trata do assunto com o filho Martin (Lee Taylor). Ela se diz surpresa com a namorada negra do neto e diz: "Passou um pouquinho do ponto". Mas em seguida, do alto dos seus 100 anos, conserta: "Nessa altura da vida, tô me lixando pra isso. A sua mãe mesmo, Leonor, a roceira, não era negra, mas não era branquinha de tudo. Ela tinha lá as suas misturas."

Foi, enfim, mais um capítulo de alto nível – e corajoso – de "Velho Chico".

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

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