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“Remake” com cara velha, “Haja Coração” parece avó de “Totalmente Demais”

Mauricio Stycer

04/06/2016 06h01

"Remakes" de novelas não são novidade, mas nos últimos anos ganharam um impulso forte. Com a estreia de "Haja Coração", já são oito os folhetins refeitos desde 2010. Acho natural perguntar: o que está levando a Globo a optar por rever tramas antigas? Não é uma resposta simples.

A primeira coisa que vem a cabeça é que faltam boas ideias e é mais fácil recorrer a sucessos do passado. Há alguma verdade neste argumento, mas não é qualquer novela que foi bem há 20 ou 30 anos que será bem-sucedida nos dias de hoje.

Um fator determinante costuma ser a percepção de que há alguma atualidade na novela a ser refeita. Foi o que aconteceu, creio, com "Saramandaia" (2013), de Dias Gomes (1922-1999), e "O Rebu" (2014), de Bráulio Pedroso (1931-1990). Cada uma à sua maneira, estas duas novelas discutiam temas que o espectador de hoje seria capaz não apenas de identificar como de se envolver.

Outra razão que pode motivar um remake é o desejo de homenagear um autor. Tenho a impressão que esta foi uma das intenções por trás da ideia de refazer "O Astro" (2011), uma trama que expõe o melhor e o pior de Janete Clair (1925-1983). O resultado foi excelente.

"Ti-Ti-Ti" (2010) pode ter nascido deste mesmo desejo, o de reverenciar Cassiano Gabus Mendes (1929-1993), mas Maria Adelaide Amaral conseguiu ir além. A autora criou uma história original ao misturar outras tramas de Gabus Mendes à novela que serviu de base para o remake.

Refazer uma novela com base apenas na sua popularidade do passado, como ocorreu com "Gabriela" (2012), é um risco. Walcyr Carrasco não conseguiu ir muito além do texto de Walter George Durst (1922-1997) e o resultado foi morno.

Das oito novelas refeitas nestes últimos sete anos, três são de autores vivos. "Meu Pedacinho de Chão" (1971), uma novela com intenção educativa escrita por Benedito Ruy Barbosa em 1971, foi transformada em um conto de fadas deslumbrante pelo diretor Luiz Fernando Carvalho em 2014.

As outras duas foram escritas por Silvio de Abreu. Coube a ele mesmo escrever o remake de "Guerra dos Sexos" (2012) e a um colaborador seu, Daniel Ortiz, o de "Sassaricando", rebatizada como "Haja Coração".

A novela das 19h30 que acaba de estrear me passa a mesma impressão que o remake de "Guerra dos Sexos": é uma novela velha, sem pontos de contato com os dias de hoje.

Ambas as tramas exploram uma mesma visão de São Paulo, muito popular na década de 70 do século passado: o da cidade em que a elite é formada por quatrocentões semifalidos e imigrantes novos ricos, em contraste com uma classe de trabalhadores de origem italiana, valentes e engraçados.

Não que estes elementos sociais tenham desaparecido, mas São Paulo na segunda década do século 21 é muito mais que isso. "Guerra dos Sexos" padeceu, ainda, por explorar, de forma anacrônica, a questão de gênero, um tema que ganhou muitas nuances nos últimos anos.

O contraste entre "Haja Coração" e "Totalmente Demais", a novela que a antecedeu, é gritante. É como se uma novela fosse avó da outra. Tudo ressente a naftalina na trama de Ortiz – do casarão cafona dos Abdala ao jeito de Tancinha (Mariana Ximenes) falar errado.

O esforço de atualizar a trama, incluindo uma personagem que é ex-BBB (Ellen Roche), soa canhestro. As piadas são velhas. O pastelão, bobo. A interpretação exagerada de alguns atores (vou poupá-los de citação) é constrangedora.

Em resumo, não enxergo um bom motivo para refazer (ou "reler", como quer a Globo) "Sassaricando", uma comédia que fez muito sucesso em seu tempo (1987-88). A novela pode até alcançar boa audiência, mas duvido que venha a ser lembrada por algum motivo especial.

Atualizado em 05/06

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

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