“I Love Paraisópolis” corre atrás da realidade e coloca o racismo em cena
Mauricio Stycer
30/07/2015 05h01
No caso de uma novela ambientada em uma comunidade pobre, cujo título faz uma homenagem carinhosa a ela, como "I Love Paraisópolis", o problema é um pouco mais complexo.
Alcides Nogueira e Mario Teixeira, os autores do folhetim, inventaram uma Paraisópolis bastante desconectada da favela real, mas entendem que precisam mostrar um pouco da realidade de quem vive no local.
Um problema grave, tratado com muita sensibilidade, é o das mães solteiras ou das crianças criadas longe dos pais. São várias na novela – Paulucha (Fabiola Nascimento), Eva (Soraya Ravenle), Deodora (Dani Ornellas), cada uma com suas especificidades.
Os personagens que vivem na Paraisópolis da ficção enfrentam também dificuldades para pagar o aluguel, encaram o desemprego, se submetem a serviços subalternos com salários baixos no vizinho Morumbi, além de ter poucas opções de transporte e quase nenhuma segurança pública.
Com muita habilidade, a dupla de autores têm mantido a história em um registro cômico, oscilando da comédia romântica ao humor rasgado. Os vilões, para permanecerem adequados ao horário de exibição, ganharam um tom farsesco, que muitas vezes se aproxima de história em quadrinhos.
Na companhia do namorado, Lindomar (Gil Coelho), a psicóloga pediu a Soraya que repetisse a ofensa, no que foi atendida. A vilã, então, foi presa por injúria racial e saiu algemada do restaurante (imagem no alto do texto).
A situação apareceu na novela 25 dias depois de Maria Julia Coutinho, "moça do tempo" do "Jornal Nacional", ter sido alvo de injúrias raciais na página do telejornal no Facebook.
O tema foi tratado de forma aberta e corajosa pela própria jornalista, durante o "Jornal Nacional" no dia 3 de julho: "Eu já lido com essa questão do preconceito desde que eu me entendo por gente. Claro que eu fico muito indignada, triste com isso, mas eu não esmoreço, não perco o ânimo, que é o mais importante. (…) Os preconceituosos ladram, mas a caravana passa."
Correndo atrás da realidade, mesmo que ao preço de deixar a comédia de lado por alguns instantes, "I Love Paraisópolis" marcou um golaço esta semana.
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
Sobre o blog
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