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Sinceridade de Gilberto Braga expõe o caos causado por “Babilônia”

Mauricio Stycer

01/06/2015 05h01

No ar desde 16 de março, "Babilônia" está se revelando uma das produções mais problemáticas da história recente da Globo. A novela sofre com uma audiência muito abaixo da média do horário e com a visível rejeição de parte do público a figuras centrais da trama.

Também padece por ter um enredo pobre, piorado ainda mais depois que os autores reescreveram tramas, mudaram radicalmente o perfil de alguns personagens e abandonaram outros.

Neste esforço meio atrapalhado para reconquistar o público, capítulos foram reeditados e muito material foi jogado no lixo. Sem ter muita esperança numa reversão do resultado, a emissora decidiu antecipar o final da história em pelo menos um mês.

Em meio a esta confusão toda, muita gente estranhou o silêncio Gilberto Braga. Durante 75 dias, o principal autor de "Babilônia" não falou, publicamente, uma palavra a respeito da novela.

O longo período calado foi compensado por uma surpreendente entrevista a "O Globo", publicada neste domingo (31), na qual ele esbanja sinceridade, humor, ironia e deboche.

Braga recorre a duas palavras fortes, "calamitosa" e "catastrófica", para se referir à audiência da novela nas primeira semanas – termos jamais usados pela Globo. Diz que está satisfeito com o resultado depois das mudanças, mas reclama. "Deu muito trabalho refazer. Está dando muito trabalho".

Lúcido e corajoso, o autor critica abertamente a Globo pela ordem para que alterasse aspectos básicos da trama, apesar de terem sido previamente aprovados pela própria emissora um ano antes. "Era forte e ninguém falou nada. Depois que a novela entrou no ar falaram: cafetão e garota de programa não pode! Tinham que ter me avisado na sinopse"

Por outro lado, Braga não é capaz de reconhecer que muitos dos problemas da novela decorrem de falhas da trama que ele próprio imaginou e do texto que escreveu. O autor prefere culpar o público, em especial o espectador de São Paulo, onde "Babilônia", segundo diz, obtém os seus piores resultados.

"Paulista é esquisito", afirma. "Um dos meus melhores amigos é o Silvio de Abreu. Ele fez o personagem Jamanta (em 'Torre de Babel', de 1998). Odeio Jamanta e falei: 'Jamanta de novo?' (quando ele voltou em 'Belíssima', de 2005). Ele disse: 'É um fenômeno paulista. Fora de São Paulo ninguém suporta, mas lá é um sucesso. Por isso que eu botei'. Acho que o problema está aí. Não sei escrever para quem gosta de Jamanta. Meu universo é anti-Jamanta."

De forma debochada, o autor volta a falar deste público ao explicar por que desistiu de caracterizar Carlos Alberto (Marcos Pasquim) como gay: "Para atender um pedido de um grupo de discussão de São Paulo. Elas tinham tesão pelo Pasquim e lamentaram o fato de ele ser gay na novela. Eu fiquei com pena das mulheres e botei ele para ser hetero".

Outra prova da dificuldade que Braga tem em enxergar os problemas de "Babilônia" ocorre quando é questionado pelo jornalista Zean Bravo sobre quais são as suas apostas para a novela. Ele cita apenas uma, justamente uma trama paralela pretensamente cômica e muito batida – a que envolve uma mulher extrovertida da favela Babilônia, Valesca (Juliana Alves), e um rapaz tímido do Leme, Norberto (Marcos Veras).

Também é surpreendente a sua tentativa de se eximir de responsabilidade pela repercussão que teve o beijo entre Estela (Nathalia Timberg) e Teresa (Fernanda Montenegro), exibido no primeiro capítulo da novela:

"O beijo que eu escrevi era um selinho. Eu fiz a cena e lembro que botei selinho. Fernanda, que gosta muito da novela, sugeriu ao (diretor) Dennis Carvalho que fosse um beijo um pouco mais longo e romântico. Não chegou a ser chupão, mas ficou um beijo. Não estou dizendo que a culpa é da Fernanda porque todos nós vimos e gostamos. Então todo mundo é responsável. Ninguém viu nada demais naquele beijo."

Questionado duas vezes se não pretende parar de escrever novelas e se aposentar, Braga primeiro diz: "Gosto de fazer sucesso e vou fazer as concessões que forem necessárias para o público gostar. Seria arrogante achar que sou o maioral". Depois afirma, esbanjando superioridade: "Não pretendo me aposentar. Pago um condomínio muito alto. Aqui, em Paris e em Nova York".

Ao responder sobre como reagiu à baixa audiência da novela, Braga diz que ficou "deprimido" e informa que é dependente de remédios tarja preta, como Rivotril. O que mais o incomoda, sugere, é ver "Babilônia" ter menos audiência do que a novela das 19h. Nas suas palavras, trata-se de uma "humilhação pública diária".

A entrevista termina com o seguinte diálogo:
– Você faz 70 anos em 2015. O que mais quer de presente?
– Quero ganhar de "I Love Paraisópolis".

Braga ainda tem três meses de novela pela frente para alcançar o seu objetivo.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

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