“Babilônia” às vezes parece uma ONG de combate ao preconceito
Mauricio Stycer
21/04/2015 05h01
Reproduzindo valores e preconceitos herdados dos pais e da avó, Lais manifestou repugnância pelo arranjo familiar de Rafael, levando o garoto a se desesperar e até gritar com ela. "Sinto nojo delas e de você", disse a garota, no momento mais forte do embate.
Criada em um ambiente evangélico, em uma cidade pequena, na periferia do Rio, a fictícia Jatobá, Laís ficou chocada com a descoberta. E esbravejou: "É pecado! Doença! Perversão!" Depois ainda observou: "Eu não aceito, acho repugnante! Você deve ser pervertido feito elas!"
"Você não tem o direito de tratar o amor delas como doença", disse o rapaz, emendando várias frases didáticas em sequência. "Todas as pessoas do mundo têm o direito de amar quem elas quiserem desde que não façam mal a ninguém", falou. "O fato de as minhas mães se amarem não muda o caráter delas", ensinou. "Uma arma muito preciosa contra o preconceito é o amor", acrescentou.
Ainda que tenha sido emocionante e comovente, o longo diálogo entre Laís e Rafael não conseguiu evitar o que parece ser um cacoete dos autores. "Babilônia" frequentemente assume pontos de vista que lembram mais uma ONG (Organização Não-governamental) destinada a combater o preconceito do que uma novela. E isso é claramente deliberado, intencional, por parte de Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga.
Esse tom didático, conscientizador, aparece especialmente na maneira como a novela da Globo trata a rejeição contra homossexuais. Incomoda, mas talvez se justifique e seja necessário num momento em que a pregação preconceituosa e intolerante, com ecos no Congresso Nacional, parece estar em vantagem sobre o discurso liberal.
Ainda assim, restam algumas dúvidas: não seria mais interessante se a novela discutisse este assunto de uma forma menos professoral? "Babilônia" não estaria colocando a militância à frente da dramaturgia? Não está faltando história e sobrando discurso na trama de Estela, Teresa e Rafael? Não é um desperdício limitar a participação de Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg ao papel de porta-vozes da luta contra o preconceito?
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
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