Problema de Cora não é a nova atriz, mas o rumo confuso da vilã em Império
Mauricio Stycer
09/12/2014 09h20
Era uma sequência muito esperada – o momento em que o comendador José Alfredo iria tirar a virgindade da vilã para, em troca, recuperar o seu sonhado diamante cor de rosa. Cora se "guardou" por décadas para aquele momento.
Aguinaldo Silva colocou na boca do personagem de Nero algumas frases enigmáticas, no esforço de explicar melhor ao espectador a troca de atrizes e, também, deixar em aberto novas possibilidades para o futuro. "Cora, ou seja lá o diabo que você for", diz o comendador depois de se refazer do susto de ver a vilã tão mais jovem.
Achei convincente a estreia da atriz na pele de uma personagem 20 anos mais velha. Aliás, não vejo problemas nesta substituição. É verdade que Aguinaldo Silva poderia matar a personagem, mas a solução da troca de atrizes, ainda mais tendo a oportunidade de escalar justamente a profissional que viveu Cora na primeira fase, não atrapalha em nada, na minha opinião, o andamento da novela.
O problema é outro. Desde a divulgação da sinopse de "Império", sempre houve motivos para acreditar que a vilã Cora iria roubar a cena e ser a grande personagem da novela.
Figura sinistra e soturna, manipuladora e invejosa, capaz de prejudicar a própria irmã, Cora impressionou muito no prólogo. Tudo indicava que a vilã iria decolar e roubar a cena na fase contemporânea da história. E isso não aconteceu
Cora se tornou um tipo difícil de entender. Não que seja ambígua, uma característica interessante num vilão, mas sim irregular. Como se o autor tivesse dúvidas sobre que caminho seguir com a personagem.
Na sua obsessão pelo comendador José Alfredo, Cora era de uma fria objetividade, até se descobrir que, na verdade, fez tudo por uma paixão reprimida por ele. Cruel, foi capaz de cometer um assassinato, mas ao mesmo tempo é desenhada como uma figura ridícula, que cheira cuecas alheias e solta gases depois de beber champanhe.
Mas a caricatura de vilã na novela de 1989 não combina muito com a história de 2014. É esse ruído permanente, entre a personagem má e decidida, por um lado, e a "bruxa" de desenho animado, por outro, que atrapalha Cora e confunde o espectador.
Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
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