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Carreira de Chacrinha é marcada por acusação de cobrar “jabá”, mostra livro

Mauricio Stycer

25/11/2014 05h01

Do início ao fim de sua carreira, primeiro no rádio, depois na televisão, Abelardo Barbosa, o Chacrinha, conviveu com uma mesma acusação – a de que recebia dinheiro por fora para privilegiar artistas em seus programas.

Como mostra o recém-lançado "Chacrinha – A Biografia", de Denílson Monteiro, o apresentador enfrentou a situação de formas diferentes ao longo do tempo. Às vezes, a aceitou de bom grado, às vezes se sentiu incomodado e reagiu com fúria aos que o criticaram.

A prática, muito comum por décadas, tinha relação direta com as atividades em que Chacrinha se consagrou – a de discotecário e programador musical (ou "disc jockey"), no rádio, e de apresentador de programa de auditório, também no rádio e depois na TV.

Monteiro descreve inúmeras situações em que Chacrinha se viu obrigado a discutir publicamente este mau hábito. Em 1961, questionado a respeito por Oswaldo Sargentelli, na TV Rio, ele respondeu: "Eu fiz divulgação, mas você também já levou algum".

O jornalista e pesquisador musical Sergio Cabral escreveu no "Jornal do Brasil" que Chacrinha fazia parte de um grupo de DJs que se reunia para decidir quanto cada um receberia de jabá das gravadoras. A resposta do apresentador, transcrita no livro, é reveladora:

"Eu sou tão desonesto quanto o senhor Sergio Cabral. Eu disse na televisão para todo mundo ouvir que já levei dinheiro de algumas fábricas de disco em troca de divulgação que fiz para as mesmas. Hoje sou divulgador da Chantecler, mas toco os discos de todas as fábricas. O senhor Sérgio Cabral, porém, recebe discos para criticar e depois vende-os aos sebos. E só comenta os discos das fábricas que o acarinham".

Em sua primeira passagem pela Globo, entre 1967 e 1972, certa vez foi questionado pelo poderoso Boni a respeito do assunto: "Você está me chamando de ladrão? Eu nunca recebi nada de ninguém! Não sou ladrão! Não sou ladrão!"

Na década de 80, em sua segunda passagem pela emissora, a acusação reapareceu: para cantar no palco do "Cassino do Chacrinha" era preciso pagar. Leleco Barbosa, filho do apresentador, respondia, segundo o livro, que "a única coisa que havia era uma permuta entre a produção e os artistas, que participavam dos shows que Chacrinha fazia pelo subúrbio carioca e outros Estados".

Como muitos outros apresentadores da era de ouro do rádio, entre as décadas de 30 e 50, Chacrinha sempre foi responsável pela própria captação de anúncios para os seus programas. O hábito foi levado para a TV e aceito de bom grado pelos executivos das principais emissoras pelas quais passou – TV Rio, Tupi (duas vezes), Band e Record (em São Paulo). Só na Globo, segundo Monteiro, ele recebeu salário.

A proximidade com os anunciantes está na origem de duas assinaturas de Chacrinha. Um dos patrocinadores de seu programa no rádio, nos anos 50, era uma marca de água sanitária, chamada Clarinha. Para promovê-la, o apresentador inventou de gritar o nome no meio de suas transmissões. Quando o fabricante faliu, Chacrinha inventou um nome qualquer, com sonoridade semelhante, para continuar gritando. Assim nasceu o célebre grito de "Terezinha, u-uuuuu!!!!"

Já a ideia de atirar postas de bacalhau para o auditório surgiu depois que um de seus mais fieis patrocinadores, o dono dos supermercados Casas da Banha, se viu com um estoque encalhado do produto. Venâncio Veloso pediu uma ajuda ao Velho Guerreiro que, num estalo, teve a ideia: "Vocês querem bacalhau???" Reza a lenda que o estoque do supermercado acabou em poucos dias.

"Chacrinha – A Biografia" passa rapidamente pelo nascimento, em 1917, em Surubim (PE), pela infância em Caruaru e depois Campina Grande (PB), e pela juventude em Recife, onde chegou a estudar medicina. Denilson Monteiro descreve Abelardo Barbosa como um rapaz inquieto, que largou os estudos para se aventurar pela carreira artística no Rio, mas não consegue explicar claramente o que o levou para este mundo do rádio.

Da mesma forma, a biografia falha ao não conseguir mostrar como Chacrinha desenvolveu o seu gênio, a sua incrível capacidade de comunicação, o seu talento para a improvisação, o seu gosto por extravagâncias e a sua facilidade em pegar ideias alheias e adaptá-las em seus programas.

"Chacrinha – A Biografia" é eficiente ao mostrar que, como poucos, ele entendeu que a comunicação de massa deve ser extremamente popular. É este talvez o seu maior legado. Por outro lado, o livro não deixa de lembrar de muitos episódios em que, para alcançar os seus objetivos de audiência, meteu os pés pelas mãos, explorando a miséria alheia, humilhando convidados e constrangendo o seu público.

O livro descreve Chacrinha como um tipo inseguro, altamente competitivo por audiência e grosseiro com os seus comandados. Mas falta apuração do autor para explicar uma série de incidentes ocorridos em sua trajetória, que são tratados como fofocas.

Monteiro é também autor das biografias de Carlos Imperial ("Dez, Nota Dez!") e de Ronaldo Bôscoli ("A Bossa do Lobo"). O livro sobre Chacrinha, em algumas passagens, não tem o mesmo cuidado visto nos trabalhos anteriores.

O lançamento de "Chacrinha – A Biografia" (Casa da Palavra, 368 págs., R$ 49,90) coincide com a estreia, no Rio, do musical "Chacrinha", de Pedro Bial e Rodrigo Nogueira, com direção de Andrucha Waddington.

Esta é a terceira biografia de Chacrinha. As duas anteriores, "Chacrinha É o Desafio" (1969), de Péricles Amaral, e "Quem Não se Comunica se Trumbica" (1995), de Florinda Barbosa e Lúcia Rito, estão esgotadas, mas são encontradas em sebos. Há um bom documentário sobre Chacrinha, chamado "Alô Alô Terezinha" (2009), de Nelson Hoineff. Chacrinha morreu em 1988.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

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