“Plano Alto” faz reflexão política inteligente, mas estreia na data errada
Mauricio Stycer
01/10/2014 00h20
Entre faixas de "o gigante acordou" e bandeiras vermelhas, milhares de jovens, muitos dos quais com máscaras e coquetéis molotov, os chamados black blocs, partem para o confronto com a polícia, enquanto Flores analisa a sua situação política, no conforto da residência oficial do governo.
Eis, de forma muito resumida, a premissa que "Plano Alto", exibida pela Record, apresentou no primeiro de seus 12 episódios. Uma história de ficção sobre o mundo político brasileiro, calcada na realidade, mas sem a preocupação de oferecer "chaves" para que o espectador associe determinados personagens a políticos da vida real.
Quase um gênero nos Estados Unidos, a série de ficção política ainda é pouco comum no Brasil. A mais recente, antes de "Plano Alto", se não me falha a memória, foi "Brado Retumbante", que a Globo exibiu em janeiro de 2012.
O texto de Euclydes Marinho, porém, propôs uma reflexão sobre a realidade política brasileira por meio de um personagem utópico – o político que se torna presidente por acaso, um homem de grandes virtudes éticas e pequenas fraquezas morais, um ser humano quase perfeito.
O protagonista, Guido Flores (Gracindo Jr.), é um ex-militante de esquerda, que combateu a ditadura por meio de luta armada, viveu no exílio, foi anistiado e deu início a uma carreira política institucional – foi deputado estadual, federal e senador, antes de virar governador de Estado e sonhar com o cargo mais alto do país.
Filmada com vastos recursos e muito cuidado, planos pouco convencionais e ótima direção de atores, "Plano Alto" também chama a atenção pelo roteiro complexo. Moraes já desdobrou a história principal em várias camadas, com diversas subtramas e personagens, sem didatismo exagerado e cobrando atenção do espectador – características nem sempre presentes na teledramaturgia da Record.
O principal problema de "Plano Alto", na minha opinião, é a data de sua estreia. A seis dias de uma eleição presidencial, é complicada a tarefa de analisar a estreia de uma série destinada, segundo seu autor, a incentivar o espectador "a fazer uma reflexão sobre a política num plano mais alto". Para evitar qualquer mal-entendido ou interpretação equivocada, a série deveria ter estreado no início do ano ou ser guardada para depois das eleições. A data escolhida foi a pior possível.
Preocupado com eventuais interpretações políticas do trabalho, Moraes registrou uma mensagem em seu blog pessoal, na qual afirma não ter a intenção de fazer uma denúncia, mas sim propor uma análise sobre os bastidores da política. Veja abaixo o esclarecimento do autor:
"Quero esclarecer que minha série 'Plano Alto' não se insere num gênero que poderíamos chamar 'denuncista'. Minha intenção não é denunciar malfeitos e escândalos da política nacional. O que eu quero é fazer uma análise adulta dos bastidores da política. O que chamo de análise adulta é uma perspectiva que se contrapõe à visão infantil muito comum no país de se decepcionar com a política porque ela se rege pela lógica do poder. As pessoas ficam esperando que políticos devem ser bonzinhos, puros, como papais-noéis. Não percebendo o jogo como ele de fato é, acabam votando exatamente nos enganadores, nos que se apresentam como salvadores, etc. Visão crítica, isso que eu quero."
Torço para que seja bem-sucedido em seu objetivo.
Audiência: A nova série teve uma estreia modesta, levando em conta a expectativa e a promoção feita pela emissora. Exibida a partir das 23h30, "Plano Alto" marcou 5 pontos na Grande São Paulo, segundo dados do Ibope. A Record ficou em terceiro lugar no horário, atrás da Globo e do SBT. O lado positivo, na visão da emissora, é que "Plano Alto" elevou a média de audiência do horário em cerca de 20%, comparada com as quatro terças-feiras anteriores, cuja média foi de 3,9 pontos.
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
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