Não vi racismo, mas acusação pautou primeiro olhar sobre “Sexo e as Negas"
Mauricio Stycer
17/09/2014 12h04
Pertinente ou não, a campanha que condenou "Sexo e as Negas" como racista e sexista antes mesmo da estreia teve a sua eficácia. Foi impossível assistir ao primeiro episódio da série sem pensar no assunto.
É evidente que um programa abertamente inspirado em "Sex and the City" seria julgado por este ângulo, também. Mas o pedido de boicote feito previamente pautou, para não dizer que contaminou, o olhar de muitos espectadores.
Narrada pelo próprio autor, Miguel Falabella, "Sexo e as Negas" usou a estreia mais para apresentar as suas quatro protagonistas, Lia (Lilian Valeska), Soraia (Maria Bia), Zulma (Karin Hills) e Tilde (Corina Sabbas), moradoras da favela Cidade Alta, em Cordovil, na zona norte do Rio.
As quatro são negras, distantes do padrão "globeleza", mas com auto-estima lá em cima. Uma é cozinheira, outra trabalha como camareira em um teatro, a terceira é recepcionista em uma churrascaria. Batalham para ganhar a vida e, em alguns casos, ajudar ou manter os familiares – filhos, pais etc.
No cotidiano, enfrentam racismo, mais ou menos velado – assim como sofrem assédio de caráter sexual, igualmente sutil. O programa as mostrou como vítimas, o que de fato são. Já à noite, colocam a melhor roupa, namoram e, como avisa o título da série, fazem sexo com os parceiros que escolhem.
No primeiro episódio, as quatro se uniram para tentar comprar um carro velho e tentar atenuar o problema de transporte que enfrentam. A poupança que reuniram, R$ 2.800, era insuficiente, então recorreram ao jogo do bicho – e, ao final do programa, saíram da "loja" com um carrinho.
Como em "Pé na Cova", também de Falabella, há humor, mas o tom é mais agridoce do que engraçado. A narração do autor e a presença de Jesuína (Claudia Gimenez), dona de um bar e de uma rádio comunitária, que também pontua a narrativa, ajudam a equilibrar a série entre estes dois pólos.
Respondendo a quem pautou a recepção desta estreia, não vi racismo algum no programa. Ao contrário, houve uma clara denúncia sobre o tema. Também não vi uma exploração da imagem das mulheres como objeto sexual maior do que a que se vê na novela das 21h, por exemplo.
A questão central, para mim, é outra. "Sexo e as Negas" é bom entretenimento? E as perguntas que me faço sobre a série são outras. É original? Bem dirigida? O elenco é bom? Cumpre o que prometeu? Gostaria de ver mais alguns episódios para responder.
Audiência: "Sexo e as Negas" marcou 14 pontos em São Paulo (e 18 no Rio). É uma audiência um pouco maior da que a emissora vinha alcançando com "O Rebu" às terças (média de 13 em São Paulo e 15 no Rio).
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
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