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“Meu Pedacinho do Chão” fugiu do óbvio, surpreendeu e encantou

Mauricio Stycer

01/08/2014 17h55

Muita gente assiste novela por hábito, de forma automática. Gostando ou não, deixa a televisão ligada no folhetim do momento. Com "Meu Pedacinho de Chão" aconteceu algo diferente. A novela não estourou no Ibope, mas conquistou uma legião de fãs entusiasmados como há muito tempo eu não via.

Ao optar por narrar a história sob o ponto de vista de uma criança, Luiz Fernando Carvalho pode ter confundido parte do público, que entendeu estar diante de uma história infantil e não se interessou pela novela.

Justamente, uma das grandes qualidades de "Meu Pedacinho de Chão foi lembrar que não há limites de idade para acompanhar uma narrativa com as características de uma fábula, altamente poética, próxima do sonho.

O diretor teve outros méritos, como escrevi algumas vezes ao longo destes meses. Extraiu desempenhos incríveis de atores que estavam com suas imagens atreladas a determinados tipos e pareciam incapazes de mudar. Revelou o potencial de atores menos conhecidos. Ousou na forma de narrar e apresentar a história. Brincou com vários gêneros da TV e do cinema.

É preciso fazer justiça a Benedito Ruy Barbosa, cujo belo texto deu sustentação a tudo isso. A adaptação que o autor fez de sua novela de 1971 ganhou em sutileza, leveza e graça. O que era um projeto de orientação didática no passado, se tornou uma história repleta de janelas oferecidas à reflexão do público.

De qualquer forma, "Meu Pedacinho de Chão" será lembrada pela obstinação do diretor de fugir do óbvio, surpreender e encantar. Nesta busca, Carvalho correu riscos e, às vezes, cometeu exageros, mas nunca poderá ser acusado de ter feito mais do mesmo – sensação que o espectador tem em muitas outras novelas.

Recomendo a leitura da longa entrevista que fiz com Carvalho no início desta semana. Na conversa, o diretor oferece uma visão bem transparente do seu método de trabalho e de suas ideias a respeito da televisão. Reproduzo um dos trechos mais significativos:

"É preciso também repensar o modelo de dramaturgia com urgência. Não sou um especialista, mas o modelo soa velho e burocratizado. Há novelas com mais de cem personagens sem que de fato esta quantidade se faça necessária dramaturgicamente. Há um desperdício que se tornou uma regra faminta, capaz de devorar os melhores talentos já estabelecidos. Some-se a isso, uma real fragilidade na formação de novos atores, autores e diretores. Em ultima instância, seriam os diretores os responsáveis por analisar e refletir de forma crítica os textos e as escalações. Infelizmente falta reflexão crítica. É preciso renovar mais e copiar menos, levantando os olhos do próprio umbigo e avistando o tal mundo. Pouco importa um diretor ou autor que foi colaborador por décadas, praticamente um funcionário público, ele repetirá formulas e procedimentos arcaicos mesmo sendo chamado de 'novo'."

"Meu Pedacinho de Chão" deve terminar com uma média de audiência inferior a 18 pontos, menos que "Lado a Lado" e "Joia Rara", duas outras boas produções recentes que decepcionaram no Ibope. Não foi o "fracasso" ou "desastre" que muitos noticiaram, mas não ajudou a emissora a levantar a sua audiência no horário.

Como outros fãs da novela, lamento que "Meu Pedacinho de Chão" tenha terminado tão rápido. Essa sensação, positiva, é resultado não apenas da qualidade do trabalho, mas também da aposta em um formato mais curto, em torno de 100 capítulos. É uma experiência que merece ser repetida.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.


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