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“Joia Rara” prometeu muito mais do que cumpriu

Mauricio Stycer

05/04/2014 05h01

O maior desafio para quem escreve sobre novelas é o primeiro texto. Fazer a crítica de um trabalho que terá 173 capítulos com base em um ou meia dúzia de episódios é sempre muito difícil e arriscado.

Tenho o hábito, sempre que uma novela termina, de reler o primeiro texto que escrevi a respeito dela. Fico orgulhoso quando constato que a minha impressão original coincide com a última. Mas nem sempre isso ocorre.

No caso de "Joia Rara", sou obrigado a dizer que a minha empolgação inicial revelou-se exagerada. Os interessantes conflitos esboçados, a intensidade com que a história foi contada na primeira semana e a própria complexidade sugerida dos personagens principais deram espaço, com o passar do tempo, a um drama comum, repleto de clichês.

Duca Rachid e Thelma Guedes sugeriram que a novela ia ter como pano de fundo um dos momentos políticos mais ricos e conturbados da história do Brasil, os anos 30 e 40, sob Getúlio Vargas e a Segunda Guerra Mundial.

Mas, num caminho muito distinto do trilhado por "Lado a Lado", a última novela de época do horário, que raramente saiu do trilho proposto, todos os temas com alguma relevância de "Joia Rara", como a luta sindical, a batalha das mulheres por seus direitos e o conflito de classes, foram rapidamente deixados no caminho.

Exemplar desse esvaziamento, o personagem Mundo (Domingos Montagner), que prometia brilhar, foi perdendo importância, até praticamente se tornar exclusivamente o marido ciumento de Iolanda (Carolina Dieckmann).

O outro grande tema da novela, o budismo, ao contrário, ganhou um tamanho desproporcional. A certa altura, "Joia Rara" pareceu estar fazendo propaganda, até. "Eu vou ser uma pessoa melhor na outra vida", disse o ex-vilão Ernest (José de Abreu) no leito de morte (foto no alto do texto).

Foi, igualmente, visível a falta de fôlego das autoras no desenvolvimento do próprio melodrama que criaram. O conflito entre o vilão Manfred (Carmo dalla Vecchia) e os mocinhos Franz (Bruno Gagliasso) e Amélia (Bianca Bin) se tornou mais repetivivo que desenho de Tom & Jerry. O primeiro grande vilão da história, Ernest, se redimiu radicalmente, contagiado pelo amor da neta Perola (Mel Maia).

A novela levantou outros bons temas na segunda metade, como o amor de uma mulher rica, Laura (Claudia Ohana), por um homem de origem humilde, mais jovem e negro, Artur (Icaro Silva), assim como o encanto de Joel (Marcelo Medici) por outro homem, Aderbal (Armando Babaioff), mas não teve ímpeto para aprofundá-los.

Como observou Nilson Xavier em seu balanço, os núcleos de humor de "Joia Rara" acabaram se sobressaindo – as muitas histórias divertidas envolvendo personagens do cabaré Cabaré Pacheco Leão e da pensão de Dona Conceição (Cláudia Missura) deram leveza e graça à novela.

Mel Maia, no papel de Perola, surpreendeu a cada capítulo. José de Abreu e Carmo dalla Vecchia também deixaram uma marca em "Joia Rara". O número de bons atores na novela, aliás, é enorme – mérito de quem escalou o elenco.

Uma observação sobre o capítulo final. Quem sobreviveu ao choro, depois da morte de Ernest e da infinidade de casamentos e nascimentos, teve a chance de apreciar a solução muito boa de um epílogo narrado nos dias de hoje por Perola (Gloria Menezes).

O tom geral do meu comentário pode passar a ideia de que não gostei de "Joia Rara". Não é bem isso. Achei a novela simpática, muito bem feita e dirigida, com atores em grande forma, mas fiquei com a impressão de que ela prometeu muito mais do que cumpriu.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.


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