“The Noite” de Gentili mostra um padrão de qualidade incomum no SBT
Mauricio Stycer
11/03/2014 02h27
Em 1988, reconhecendo que a excelente audiência da programação popular do SBT não atraía anunciantes de peso para a emissora, Silvio Santos resolveu apostar em atrações de mais qualidade. Em agosto daquele ano estrearam o "TJ Brasil", apresentado por Boris Casoy, e "Jô Soares Onze e Meia".
Vinte e cinco anos (e alguns meses) depois, Danilo Gentili estreou o "The Noite" no SBT fazendo uma reverência justamente ao talk show de Jô Soares. Uma homenagem irônica, diga-se, ao mostrar uma réplica do cenário original do antigo programa tomado por teias de aranha e poeira.
Assim como ocorreu no passado, o contraste da nova atração com o que o SBT exibe no dia a dia é gritante.
Uma produção sofisticada ajudou a embalar um projeto que Gentili já havia esboçado com o "Agora É Tarde", na Band, entre 2011 e 2013 – a de um programa com mais "show" e menos "talk", no qual mesmo as entrevistas estão a serviço do espetáculo.
Seguindo um padrão visto em programas semelhantes nos Estados Unidos, o "The Noite" mostrou, ao menos pelo que se observou na estreia, que a ideia foi muito bem aperfeiçoada.
A abertura teve cuidados de superprodução. Gentili passou pelos principais programas da emissora, interagindo com os apresentadores da casa, com o objetivo de resgatar a sua equipe, culminando na chegada ao cenário do "Jô Soares Onze e Meia" e a revelação de Ivo Holanda: "Essa é uma pegadinha do SBT".
Não faltaram "homenagens" à Band e à equipe do "Agora É Tarde". Roger Moreira elogiou o cenário do "The Noite" por "não ser reciclado", numa alusão ao material do programa de Rafinha Bastos que parece reaproveitado. "É um papel pequeno, qualquer idiota pode fazer", disse Gentili ao apresentar o substituto de Marcelo Mansfield, que ficou na antiga casa.
Não basta superprodução se não há conteúdo, e o "The Noite" escapou desta armadilha no encontro do apresentador com o seu convidado, o comediante Fabio Porchat. Uma série de brincadeiras combinadas entre os dois deu a aparência de espetáculo de humor à entrevista.
Gentili, por exemplo, manifestou surpresa com a onipresença de Porchat em cinema, TV, internet, teatro, e logo vimos imagens do convidado, previamente gravadas, em diferentes locais do SBT. "Quero fazer um talk show também. De repente, eu vou pra Record. Na Record não tem talk show", disse Porchat, mencionando algo que ainda não realizou e gostaria.
Ainda que todo o encontro tenha dado a impressão de ter sido combinado (ou "roteirizado"), foi saudável ver Gentili tirar Porchat do pedestal e fazer piadas com ele. "Emagreci… Tomei vergonha na cara", ele contou. "Achei que era drogas", replicou o apresentador.
No melhor momento, a produção do programa exibiu um VT sobre o "Método Fabio Porchat de Interpretação", rindo das caretas e excessos gestuais do humorista. Para retribuir, o que me pareceu desnecessário, o anfitrião também se submeteu ao ridículo com a apresentação do "Curso Danilo Gentili de Apresentação de Late Show".
Porchat não deu nenhuma declaração bombástica, nem fez nenhuma revelação inédita (o anúncio de um seriado do Porta dos Fundos, que Gentili festejou como notícia exclusiva, já era conhecido). Ainda assim, a entrevista foi muito divertida.
De um modo geral, a estreia do "The Noite" foi muito boa. O capricho da produção, o cuidado com o roteiro, a segurança de Gentili, tudo contribuiu para causar uma ótima impressão.
Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
Sobre o blog
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