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“Amor à Vida” atirou em todas as direções e só acertou no que não previu

Mauricio Stycer

01/02/2014 05h01

Por tudo que significa para a luta dos homossexuais por direitos iguais, o primeiro beijo entre dois homens no programa mais assistido na TV brasileira tem, de fato, valor histórico. "Amor à Vida" será lembrada por ter dado este passo, mas isso não desobriga o crítico de lembrar dos muitos problemas que a novela apresentou.

Em sua primeira incursão no horário das 21h, Walcyr Carrasco fez uma aposta maior no impacto que causaria sobre a audiência do que na história em si. Notei este problema depois de ver os cinco primeiros capítulos.

Na ocasião, observei que, entre as ousadias e bizarrices exibidas, além das nítidas influências externas, "Amor à Vida" corria o risco de gerar uma espécie de X-Tudo, um sanduíche com tantos ingredientes que mal se percebe o seu gosto.

Houve quem se desse ao trabalho de contar  quantos temas polêmicos ou barulhentos foram levantados ao longo dos 221 capítulos. O número chega a 30, incluindo obesidade, virgindade, autismo, alcoolismo, diferentes doenças (câncer, lúpus, aids), incesto, transtorno obsessivo-compulsivo, amor entre árabes e judeus, namoro de mulher mais velha do que o homem, assédio moral etc.

Vendo a forma como estes temas entraram, passaram e foram esquecidos pela novela, é difícil acreditar que Carrasco estivesse seriamente interessado em discutir qualquer um deles. Por este motivo, entendo que o X-Tudo de "Amor à Vida" se destinava mais a fazer barulho e causar polêmica do que à história propriamente.

Também me pareceu típico desta opção o tom exagerado, próximo do grotesco, que o autor usou na descrição dos mais variados conflitos. Cenas de brigas à mesa e de tapas na cara entre personagens foram mais comuns do que de beijo na boca. Entendi essa linha da novela como uma adesão ao dramalhão mais rasgado, em estilo que lembra o exagero das novelas mexicanas.

Igualmente, achei incômodo o fato de o texto de "Amor à Vida" ter apresentado os níveis mais altos de didatismo que vi na televisão nos últimos tempos. Os bons índices de audiência, superiores aos da trama anterior, "Salve Jorge", sugerem que a opção não foi um problema –talvez tenha sido uma solução.

Como escrevi antes, todas as situações dramáticas, os conflitos e dificuldades enfrentados pelos personagens foram sempre explicados tim-tim por tim-tim pelo autor. Muitas cenas pareciam ditas em ritmo de jogral de escola, uma maneira de garantir que o espectador não tivesse nenhuma dúvida. A rigor, não precisava nem pensar.

Concordo com Carrasco que, na vida, todas as pessoas enfrentam reviravoltas, mas em "Amor à Vida" o ritmo de algumas mudanças foi vertiginoso demais, além de incompreensível. O personagem Ninho (Juliano Cazarré), que apelidei "7 Faces", foi o exemplo maior, mas não único, de figuras incoerentes e bizarras na novela. Não à toa, tantos atores criticaram ou reclamaram publicamente do rumo que seus personagens tiveram.

A principal novidade de "Amor à Vida" talvez tenha sido colocar como protagonista um personagem abertamente gay e malévolo. Apesar da interpretação muitas vezes caricata, Felix (Mateus Solano) foi das poucas figuras que fugiram do lugar comum. Os diversos problemas que enfrentou ou causou fizeram pensar e mobilizaram o público.

Mas o pulo do gato da novela foi acidental. Carrasco atirou em todas as direções e acertou só no que não previu, ao notar que o público simpatizava com a "bicha má". Habilmente, ele fez dois movimentos. Primeiro, providenciou a redenção improvável (e inverossímil) de Felix. Depois, o aproximou de um dos poucos personagens bons da história, Niko (Tiago Fragoso, ótimo no papel).

Ao unir o novo Felix, vilão arrependido com pose de super-herói, com o bondoso Niko, pai de duas crianças, o autor teve a oportunidade de criar um casal gay diferente, em tudo simpático. O beijo final apenas coroou este acerto.

Alguns breves comentários sobre o elenco. O Cesar de Antonio Fagundes foi um dos poucos personagens de fato complexos, com qualidades e defeitos, contradições e dilemas. Experiente, o ator saiu-se muito bem, até a reviravolta, que o transformou num idiota, cegamente apaixonado pela vilã Aline (Vanessa Giácomo).

Grandes atores, como Natalia Thimberg e Ary Fontoura, e mesmo Susana Viera, foram mal aproveitados. José Wilker e Francisco Cuoco, coitados, ganharam personagens ridículos.

Entendo o sucesso de Mateus Solano, mas acho que, na caracterização de Felix como vilão, o ator reproduziu inúmeros clichês. Ainda assim, Solano merece crédito por ter tornado o personagem crível, apesar dos absurdos que disse e fez nos primeiros dois terços da novela.

Uma palavra sobre duas atrizes que fizeram muito sucesso ao longo da história, Elizabeth Savalla e Tatá Werneck. A primeira foi, na minha opinião, o maior destaque de "Amor à Vida". A atriz conseguiu transformar uma personagem má, que passou quase duas centenas de capítulos forçando a filha a encontrar um marido rico, em uma figura calorosa e bem-humorada. Já a segunda, em sua estreia em novelas, apostou fundo na caricatura, o que não me agrada, mas funcionou por conta do seu grande talento.

Por fim, uma observação a título de transparência. Em dezembro, Walcyr Carrasco me acusou ter algum tipo de problema pessoal com ele por conta de textos que escrevi sobre a novela. Quem acompanha este blog, desde janeiro de 2010 no UOL, pode atestar que o rigor dedicado a "Amor à Vida" não foi novidade nenhuma.

Leia também (os textos citados acima)
1. Com ousadias e bizarrices, "Amor à Vida" começa com gosto de X-Tudo
2. Com cena irônica, "Amor à Vida" tenta fugir do rótulo de "novela mexicana"
3. Novela explicada
4. Ninho "7 Faces" é o personagem que mais mudou em "Amor à Vida"
5. Três atores já criticaram os rumos de seus personagens em "Amor à Vida"
6. Walcyr Carrasco enxerga "problema pessoal" em críticas objetivas à novela

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.


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