“Amor à Vida” atirou em todas as direções e só acertou no que não previu
Mauricio Stycer
01/02/2014 05h01
Por tudo que significa para a luta dos homossexuais por direitos iguais, o primeiro beijo entre dois homens no programa mais assistido na TV brasileira tem, de fato, valor histórico. "Amor à Vida" será lembrada por ter dado este passo, mas isso não desobriga o crítico de lembrar dos muitos problemas que a novela apresentou.
Em sua primeira incursão no horário das 21h, Walcyr Carrasco fez uma aposta maior no impacto que causaria sobre a audiência do que na história em si. Notei este problema depois de ver os cinco primeiros capítulos.
Na ocasião, observei que, entre as ousadias e bizarrices exibidas, além das nítidas influências externas, "Amor à Vida" corria o risco de gerar uma espécie de X-Tudo, um sanduíche com tantos ingredientes que mal se percebe o seu gosto.
Vendo a forma como estes temas entraram, passaram e foram esquecidos pela novela, é difícil acreditar que Carrasco estivesse seriamente interessado em discutir qualquer um deles. Por este motivo, entendo que o X-Tudo de "Amor à Vida" se destinava mais a fazer barulho e causar polêmica do que à história propriamente.
Igualmente, achei incômodo o fato de o texto de "Amor à Vida" ter apresentado os níveis mais altos de didatismo que vi na televisão nos últimos tempos. Os bons índices de audiência, superiores aos da trama anterior, "Salve Jorge", sugerem que a opção não foi um problema –talvez tenha sido uma solução.
Como escrevi antes, todas as situações dramáticas, os conflitos e dificuldades enfrentados pelos personagens foram sempre explicados tim-tim por tim-tim pelo autor. Muitas cenas pareciam ditas em ritmo de jogral de escola, uma maneira de garantir que o espectador não tivesse nenhuma dúvida. A rigor, não precisava nem pensar.
A principal novidade de "Amor à Vida" talvez tenha sido colocar como protagonista um personagem abertamente gay e malévolo. Apesar da interpretação muitas vezes caricata, Felix (Mateus Solano) foi das poucas figuras que fugiram do lugar comum. Os diversos problemas que enfrentou ou causou fizeram pensar e mobilizaram o público.
Ao unir o novo Felix, vilão arrependido com pose de super-herói, com o bondoso Niko, pai de duas crianças, o autor teve a oportunidade de criar um casal gay diferente, em tudo simpático. O beijo final apenas coroou este acerto.
Grandes atores, como Natalia Thimberg e Ary Fontoura, e mesmo Susana Viera, foram mal aproveitados. José Wilker e Francisco Cuoco, coitados, ganharam personagens ridículos.
Entendo o sucesso de Mateus Solano, mas acho que, na caracterização de Felix como vilão, o ator reproduziu inúmeros clichês. Ainda assim, Solano merece crédito por ter tornado o personagem crível, apesar dos absurdos que disse e fez nos primeiros dois terços da novela.
Por fim, uma observação a título de transparência. Em dezembro, Walcyr Carrasco me acusou ter algum tipo de problema pessoal com ele por conta de textos que escrevi sobre a novela. Quem acompanha este blog, desde janeiro de 2010 no UOL, pode atestar que o rigor dedicado a "Amor à Vida" não foi novidade nenhuma.
Leia também (os textos citados acima)
1. Com ousadias e bizarrices, "Amor à Vida" começa com gosto de X-Tudo
2. Com cena irônica, "Amor à Vida" tenta fugir do rótulo de "novela mexicana"
3. Novela explicada
4. Ninho "7 Faces" é o personagem que mais mudou em "Amor à Vida"
5. Três atores já criticaram os rumos de seus personagens em "Amor à Vida"
6. Walcyr Carrasco enxerga "problema pessoal" em críticas objetivas à novela
Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
Sobre o blog
Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.