Todo mundo se acha capaz de fazer humor, diz roteirista da “Praça É Nossa”
Mauricio Stycer
03/12/2013 09h23
Recebi de Magalhães Jr., roteirista de TV com mais de 30 anos de experiência, incluindo trabalhos para vários programas de humor, como "Escolinha do Professor Raimundo" (Globo), "Escolinha do Golias" (SBT) e, até hoje, "A Praça é Nossa" (SBT), a mensagem abaixo, na qual ele analisa o especial "A Nova Família Trapo", exibido pela Record no último domingo (01).
Tenho 60 anos e assisti a todos os episódios de "A Família Trapo" (acima), que foi, na época, um marco na história do humor da TV brasileira. Embora o programa não espelhasse o dia a dia da uma família média brasileira [basta imaginar que a família possuía um mordomo (Jô Soares) e uma governanta (Sônia Ribeiro e Hebe Camargo, em épocas distintas)], aproximava-se do padrão familiar comum: pai (Otello Zeloni), mãe (Renata Fronzi), um casal de filhos (Ricardo Corte Real e Cidinha Campos).
A presença de um cunhado vagabundo (Golias), mas ao mesmo tempo querido, era o tempero maior do humor. Golias era humorista; Jô e Zeloni, comediantes. Renata era uma atriz excelente. Hebe era a Hebe. Sônia, Cidinha e Ricardo não eram atores (Ricardo viria a ser), mas não comprometiam compondo o elenco. Renata era escada dos três e os três alternavam-se na função escada/humorista-comediante.
Também acompanhei "Sai De Baixo" que, com a mesma estrutura de cenário, possuía um humorista (Tom Cavalcante), três comediantes (Luiz Gustavo, Miguel Falabella e Cláudia Jimenez) e duas atrizes (Marisa Orth, que até então não era considerada comediante, e Aracy Balabanian). Aracy e Luiz Gustavo eram os escadas. E que escadas!!! E, com exceção de Tom Cavalcante, o elenco era constituído de atores e atrizes. [Por isso classifiquei Tom como humorista e não como comediante].
Em "A Nova Família Trapo", a roteirista Letícia Dornelles e/ou direção do programa resolveram ir contra a máxima do vaudeville. Chegou-se a ficar quase 10 minutos com quase todo o elenco em cena; ora num terrível blá-blá-blá, ora num mais terrível ainda texto solo.
Infelizmente, o humor brasileiro passa, no momento, pelo mesmo problema por que passa a música e o futebol brasileiros: todo mundo acha-se capaz. Parece não haver crítica nem autocrítica.
Basta observar o número de stand ups que tem surgido. Todo mundo se acha capaz de fazer. É assim também nos quesitos escrever, interpretar e dirigir.
Minha crítica não se baseia na diferença imbecil que se coloca entre o humor de ontem e o de hoje. Ontem havia muita coisa ruim e hoje há muita coisa boa, tal como o grupo Os Barbichas. Trata-se de estudar, estudar e sentir o que, de fato, é engraçado e quais as ferramentas ideais para que isso torne exequível dentro de um determinado meio de comunicação.
Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
Sobre o blog
Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.