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A lição de Chico: “Não posso consertar nada, mas tenho obrigação de denunciar tudo”

Mauricio Stycer

23/03/2012 15h14

"Muita falta me faz o contato com vocês. Porque eu sou um artista fiel ao meu público. Sempre trabalhei para as classes C, D e E. É assim que vejo o trabalho do humorista: eu não posso consertar nada, mas tenho obrigação de denunciar tudo. Foi isso que eu sempre tentei fazer. E acho que fiz. Porque estou fora da TV aberta há tantos anos e as pessoas continuam me reconhecendo e, o que é melhor, gostando de mim"

Eis, nas palavras do próprio Chico Anysio, uma síntese exemplar do seu trabalho. Pode soar como a voz de um marciano, hoje, mas é a visão de mundo de um humanista. Um artista que sempre fez humor popular com fé no poder iluminador e transformador das palavras.

O depoimento, gravado em 2007, está no DVD "Chico Especial", comemorativo dos seus 60 anos de carreira. Ao longo das cinco horas e quarenta e quatro minutos de imagens reunidas nos dois discos há material de sobra para comprovar o que ele diz.

E não me refiro apenas aos personagens explicitamente de caráter político, como o magistral Justo Veríssimo, que dizia, na década de 80: "Na Corruptolândia, capital Corruptília, não haverá honestidade, logo não haverá pobre. Porque pobre é que tem a mania de ser honesto. Assim como honesto tem a desgraça de ser pobre."

Chico nunca fugiu aos temas do seu tempo. Concordando-se ou não com a sua opinião, sempre colocou o dedo na ferida. Discutiu as mais variadas formas de opressão, preconceito e exclusão social, sempre pela ótica do humor.

Falou de religião, fé, misticismo, riu do mundo das celebridades, inclusive da própria Globo, mergulhou no universo do futebol, encarou o racismo, preconceito sexual… Veja se você é capaz de lembrar de um tema que algum dos 209 personagens criados por Chico não tenha falado…

"Fiz um sucesso que considero inconcebível", diz Chico no DVD. "Fiquei 36 anos na Rede Globo com um programa que só mudava de título, mas no fundo era a mesma coisa, era eu fazendo tipos, sempre liderando o horário, e sempre sendo o primeiro programa a ser vendido e o melhor vendido a cada ano. Uma coisa gloriosa. Uma carreira que não posso reclamar de nada."

"Chico Especial" é o principal registro oficial, até hoje, do trabalho do humorista. "Esse DVD tem a pretensão de contar uma história. A história da minha vida como artista", ele diz, no depoimento de 20 minutos que encerra o disco 1.

Chico começou em 1947, na rádio Guanabara. Dez anos depois, ao estrear na TV Rio, pensou: "Tenho que inventar alguma coisa para mim. Eu vou ser aquele que faz vários." Em 1971, contratado pela Globo com  a verba economizada pela emissora após demitir Chacrinha no ano anterior, propôs a Boni fazer "Chico City".

Acho que este é o título que mais se aproxima do legado do artista. Mas é preciso dizer que Chico não criou só uma cidade, mas um mundo próprio.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.


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