Minissérie sobre Dercy evita a responsabilidade de contar “a verdade” sobre a atriz
Mauricio Stycer
11/01/2012 06h01
Cantora, atriz e comediante, Dercy Gonçalves (1907-2008) deixou para os mais jovens a imagem da velha desbocada e irreverente, que falava palavrão no almoço de família ou, ao vivo, na televisão. A sua história, porém, é muito mais interessante e complexa, como ela própria contou no palco ou em muitos depoimentos.
Coube a Maria Adelaide Amaral, autora de uma biografia da atriz, a tarefa complicada de resumir esta longa e fascinante trajetória numa minissérie de quatro capítulos. Em entrevista ao UOL Televisão, ela revelou uma de suas dificuldades: "Muitas vezes ela me contou o mesmo acontecimento de maneiras diferentes. Aí eu ligava para ela e perguntava qual era a versão verdadeira e ela dizia: "Você escolhe, porra!'."
Não à toa, o diretor Jorge Fernando fez uma boa aposta, logo na cena de abertura, ao revelar ao público os bastidores da produção. Mostrou a chegada de objetos de cena e exibiu o elenco, ainda sem figurinos, lendo o texto da minissérie. "Não se enganem", o diretor parece ter dito. "O que vocês vão ver aqui é uma encenação".
É estranho, por isso, que o título escolhido para a minissérie tenha sido justamente "Dercy de Verdade". O primeiro dos quatro capítulos, exibido pela Globo nesta terça-feira, deu uma boa ideia das dificuldades que Maria Adelaide deve ter enfrentado para resumir a história, separar fatos de lendas e dar algum sentido à vida e à carreira de Dercy.
O programa deixou vontade de entender melhor, por exemplo, tanto a infância sofrida quanto o primeiro casamento da atriz, com Eugenio Pascoal, integrante de uma trupe teatral. Viveram juntos alguns anos, sem sexo, mas foram amigos íntimos. É uma relação misteriosa, suficiente para ocupar um episódio inteiro, mas que foi apresentada com uma certa pressa.
A minissérie anterior de Maria Adelaide Amaral na Globo, "Dalva e Herivelto" (2010), foi objeto de uma direção bem convencional, a cargo de Denis Carvalho. Agora, com Jorge Fernando à frente de "Dercy de Verdade", houve espaço para alguma (não muita) ousadia.
Sem exageros, ele recorreu ao contraste de cenas em preto-e-branco com imagens em cor. Fez bom uso, igualmente, de áudios da própria atriz relatando historias de sua vida. Ajudado por um ótimo elenco, imprimiu um tom cômico a muitas cenas dramáticas, contribuindo para esvaziar o caráter documental que o título da minissérie sugere.
Heloisa Perissé, no papel da jovem Dercy, está muito convincente e, mais que isso, à vontade. Fafy Siqueira, como a velha Dercy, pontua a narrativa contando alguns episódios da vida da atriz, mas ainda não apareceu muito.
O ator Marcelo Médici fez uma observação curiosa ao elogiar as duas atrizes no Twiiter: "Fafy Siqueira e Heloisa Perissé mostrando mais uma vez que nem todo ator é comediante, mas que todo comediante é ator…"
As qualidades da boa minissérie são realçadas, ainda, por conta do contraste com o "BBB12". Exibida imediatamente depois do reality show, "Dercy de Verdade" parece uma obra-prima.
Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
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