Três vezes Lima Barreto
Mauricio Stycer
18/11/2010 13h00
Há nítidos traços autobiográficos, além de vinganças e acertos de conta, no relato que Barreto faz do cotidiano de "O Globo", nome inventado pelo escritor para falar do "Correio da Manhã", então o mais importante diário da cidade, onde trabalhou.
Este excesso de aproximações com figuras de carne e osso da "Belle Époque" carioca, descritas em retratos muito nítidos e apenas nomes trocados, acabou ofuscando o principal: a força literária da obra em si, incluindo a denúncia de cunho social que faz.
Como escreveu o seu biógrafo, Francisco de Assis Barbosa, em 1961, "muito mais importante que uma caricatura impiedosa, é, na verdade, a mensagem humana que se encerra no bojo da novela". Ou como anotou Alfredo Bosi, em texto publicado em 2002, "Isaías Caminha" em seus momentos altos "transcende, ainda por obra da reflexão, o seu estigma individual".
Para jornalistas e historiadores, porém, o retrato impiedoso pintado por Barreto de uma redação de jornal no início do século XX ainda provoca grande interesse pelo mesmo motivo que talvez tenha atrapalhado a carreira do escritor. Os tipos que freqüentam a redação de "O Globo" parecem extremamente atuais, assim como muitas das situações que ocorrem.
A estes leitores, interessados em história da imprensa, a mais recente edição de "Recordações do escrivão Isaías Caminha" (Penguin & Companhia das Letras, 312 págs., R$ 25) traz um biscoito fino: 109 notas da historiadora Isabel Lustosa, com explicações acuradas e chaves que esclarecem quem serviu de inspiração para os personagens e situações descritos no romance.
Em "Lima Barreto versus Coelho Neto – Um Fla-Flu literário" (Difel, 240 págs., R$ 39), Mauro Rosso faz um detalhado levantamento da polêmica que envolveu os dois escritores a respeito do futebol.
O autor de "Policarpo Quaresma", como se sabe, desde cedo entendeu que o futebol era um modismo estrangeiro, elitista e, pior, um esporte violento. Lima Barreto não foi capaz (ou não quis) enxergar
Já Coelho Neto foi um torcedor apaixonado do Fluminense. Um de seus filhos, Preguinho, jogou pelo clube e pela seleção brasileira. De estilo difícil, floreado, defende o "lado certo" na polêmica, mas a simpatia do leitor pende para Lima Barreto, com seu texto saboroso e irônico. Obrigatório para estudiosos dos primórdios do futebol no Brasil, este "Fla-Flu literário" pode ser de leitura um pouco difícil para o torcedor.
Por fim, acaba de chegar às livrarias "Contos Completos de Lima Barreto" (Companhia das Letras, 712 págs., R$ 48), organizado por Lilia Moritz Schwarcz. A edição resgata os 149 contos escritos pelo autor, com notas da organizadora.
Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
Sobre o blog
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