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Sem aviso ao público, entrevista no “Conversa com Bial” foi ação comercial

Mauricio Stycer

03/08/2019 05h01


Bial entrevista a sommèliere Beatriz Ruiz, o cineasta Heitor Dhalia e o sommelier Luís Celso Júnior

O "Conversa com Bial" teve como tema na quinta-feira (01) a produção de cerveja. O pretexto, anunciado pelo apresentador, foi o Dia da Cerveja, comemorado no dia seguinte, 2 de agosto. Mas, na realidade, o programa desenvolveu uma ação comercial, sem avisar ao espectador, em torno do documentário "Em Busca da Cerveja Perfeita", realizado pela Ambev, a maior cervejaria do mundo.

Bial entrevistou Heitor Dhalia, que dirigiu o filme para a empresa, o sommelier Luís Celso Júnior, apresentado como conselheiro do cineasta, e a sommèliere Beatriz Ruiz. "Fez um filme lindo", elogiou o apresentador ao receber Dhalia. Em momento algum o espectador foi informado de que a entrevista foi fruto de um acordo comercial.

Duas marcas da Ambev, Brahma e Skol, anunciaram no início e no fim do único bloco comercial do "Conversa com Bial".

Um dia antes da entrevista, a Globoplay havia colocado o documentário da cervejaria em seu catálogo, aberto a não-assinantes, sem qualquer indicação de que se trata de uma produção corporativa (é preciso ir até o fim para ver os créditos).

Considerado um programa de entretenimento, "Conversa com Bial" aceita "merchandising". Está listado pela Globo em seu plano comercial como um dos "produtos diferenciados", com valor "sob consulta", ao lado de "Caldeirão do Huck", "Zorra", "Altas Horas" e novelas.

A Ambev foi citada brevemente por Dhalia no fim da entrevista, quando ele mencionou ter visitado fazendas da cervejaria na Alemanha durante a realização do documentário. O endereço do site do filme apareceu na tela ao final.

Em nota ao blog, a Globo afirma considerar que estas duas referências "deixam claro que a menção ao documentário se trata de uma ação promocional." Ainda segundo a emissora, "nesses casos, diferentemente do que acontece em produtos de dramaturgia, por exemplo, não há necessidade de exibição de assinatura ou crédito final marcando a ação".

Discordo. A possibilidade de o espectador se confundir é a mesma numa novela ou num talk show. Diferentes cineastas já foram ao "Conversa com Bial" para falar de seus filmes, mas não pagaram nada para isso. As breves indicações citadas pela emissora não esclarecem o espectador. Só alguma menção explícita deixaria isso claro. E essa ausência, na minha opinião, é justamente o ponto problemático da ação.

Em uma rede social, Ricardo Dias, vice-presidente de marketing da cervejaria, festejou o resultado da ação: "Hoje vimos um pouco do futuro (a interseção de criação x produção de conteúdo x dados) com a Rede Globo. Obrigado Eduardo Schaeffer & equipe pela hospitalidade. 'The future is here; it's just not evenly distributed'."

Schaeffer é diretor de negócios da Globo. A frase em inglês, muito reproduzida, pode ser traduzida como: "O futuro já está aqui; só não está bem distribuído". O seu autor é o escritor William Gibson, criador do termo "ciberespaço". Ele teria feito este comentário pela primeira vez na década de 1990.

Abaixo, a íntegra da nota da Globo sobre a ação comercial no "Conversa com Bial:

"A edição de ontem do 'Conversa com Bial' foi pautada, editorialmente, pelo Dia da Cerveja. Por conta do tema, oportunamente a Globo realizou uma ação comercial em parceria com a Ambev para a divulgação do documentário 'Em Busca da Cerveja Perfeita'. A entrevista com o diretor do trabalho e a menção direta aos sites em que o doc está hospedado, ao final do programa, deixam claro que a menção ao doc se trata de uma ação promocional. O restante do programa é totalmente editorial. Essas ações são comuns na Globo, sempre vindas do trabalho integrado entre as equipes comerciais e de produção de conteúdo no desenvolvimento de projetos que promovam as mensagens das marcas de forma fluida. Em diferentes programas do entretenimento, quando ações comerciais são exibidas, a própria menção às marcas já é uma sinalização clara de que se trata de campanha publicitária. Nesses casos, diferentemente do que acontece em produtos de dramaturgia, por exemplo, não há necessidade de exibição de assinatura ou crédito final marcando a ação."

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.