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Gentili questiona Bolsonaro sobre "movimento de purificação da direita”

Mauricio Stycer

31/05/2019 14h46

O presidente Jair Bolsonaro dá entrevista a Danilo Gentili no "The Noite", no SBT

Apresentadores de talk show não tem o mesmo compromisso que repórteres ao entrevistarem políticos. Mas Danilo Gentili, diferentemente da postura de Luciana Gimenez há três semanas, enfrentou vários temas importantes na conversa com Jair Bolsonaro, exibida na madrugada desta sexta-feira (31) no seu "The Noite", no SBT.

O presidente pode não ter feito nenhuma revelação mais surpreendente, mas ouviu boas perguntas e questionamentos. Mesmo quando fez piadas ("Descobriu o que é golden shower?"), Gentili provocou Bolsonaro, levando-o a falar sobre como administra sua conta no Twiiter.

O apresentador também o cobrou sobre uma promessa de campanha ainda não cumprida (a extinção da EBC), levando Bolsonaro a dizer que vai, sim, acabar com a TV pública. Questionou as críticas do presidente aos estudantes ("idiotas úteis"), lembrando da promessa feita de governar para "todos". E perguntou sobre as disputas internas de poder dentro do governo.

Gentili, por outro lado, deixou passar algumas oportunidades. Como quase toda a mídia, não apresentou contrapontos ao discurso oficial sobre a reforma da Previdência. Também não aproveitou uma deixa de Bolsonaro, que citou duas vezes o nome do ex-presidente Itamar Franco como responsável pelo Plano Real (era uma provocação a Fernando Henrique Cardoso).

Ao final, o que mais me chamou a atenção na entrevista foi o fato de Gentili expor suas posições sobre alguns assuntos. À vontade, como se estivesse conversando entre amigos, o apresentador falou abertamente de alguns ressentimentos.

Registrou, por exemplo, que Lula, Dilma e Temer, apesar de convidados, nunca foram ao seu programa. Também deixou escapar um "sei como é isso" quando Bolsonaro disse que foi chamado de racista apesar de ter salvo de afogamento um colega negro no Exército. E disse, em tom de ironia, após o presidente contar apenas parte de uma piada, que "isso não vai impedir de sair como machista na 'Folha' amanhã".

Gentili falou, também, da sua posição sobre porte e posse de armas, um tema caro ao presidente. "Filosoficamente, sou a favor do porte de armas porque acho que o cidadão deve estar preparado para se armar contra o Estado. Se um dia o Estado decide que a minha casa é dele, não minha mais, quero ter uma arma para me defender do governo, do Estado", explicou.

E, no momento em que mais se alongou, fez uma queixa sobre a estridência nas redes sociais de alguns apoiadores de Bolsonaro. Disse Gentili:

"Um dos motivos que eu acho que o PT perdeu o senso crítico é que a militância do PT, principalmente em ambientes virtuais, era tão ferrenha que qualquer pessoa que fizesse um mínimo de crítica ao Lula, Dilma, ao PT, agenda esquerdista, sofria assassinato de reputação, sofria achincalhamento coordenado. Isso é um problema. E, às vezes, eu percebo, isso pode estar começando a acontecer do seu lado. Porque, às vezes, uma mínima crítica que alguém tenha ao seu governo, nem é um cara petista, é só um cara normal, cidadão comum, tem uma crítica, vem lá um exercitinho para assassinar reputação, pra achincalhar. Isso não é ruim por dois motivos? Primeiro, porque você pode perder o senso crítico. Você pode consultar as redes e ver que só tem gente te elogiando. Claro, as pessoas estão com medo de te criticar. Segundo, isso não pode ser perigoso? De repente, as pessoas começam a pegar birra da sua imagem por causa dessa militância que diz defender a sua imagem. Parece, às vezes, que está rolando um movimento de purificação da direita, onde só quem concordar 100% é bem. Se não, é achincalhado, ameaçado. Você tem ciência disso? Você não acha que isso pode ser um tiro no pé?"

"Ninguém tem controle sobre essas mídias", respondeu Bolsonaro. "Pode ser, em parte, uma contra-informação da esquerda", sugeriu, antes de reconhecer: "Existem as pessoas que perdem a noção. Defendo a internet 100% livre." E contou: "Costumo bloquear gente também. Se o cara faz uma crítica, tudo bem. Quando o cara começa a falar da minha mãe, eu bloqueio. Não dá pra discutir com esse cara."

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.