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Num mundo ideal, um programa como “Amor & Sexo” seria desnecessário

Mauricio Stycer

12/12/2018 05h01


Encerrado nesta terça-feira (11), "Amor & Sexo" foi seguramente o programa mais polêmico exibido pela Globo este ano. Mas como explicar que uma atração que já está em sua 11ª temporada tenha causado tanta confusão e gerado tantas notícias negativas?

As evidências sugerem que o problema não é de "Amor & Sexo", mas de 2018. Foi um ano muito original no Brasil. Circunstâncias políticas colocaram em primeiro plano um discurso conservador que sempre existiu, mas parecia guardado no armário.

A chamada "guerra cultural", em torno de questões ligadas a sexo, comportamento e raça, entrou na pauta brasileira, disseminada pelas redes sociais.

Lançado em outubro, já em período eleitoral, o programa comandado por Fernanda Lima se tornou imediatamente alvo de uma parte dos militantes envolvidos nesta batalha.

O texto de Eduardo Costa é exemplar do tipo de fúria que "Amor & Sexo" atraiu. "Mais de 60 milhões de brasileiros e brasileiras votaram no Bolsonaro, e agora vem essa imbecil com esse discurso de esquerdista", escreveu em sua conta no Instagram. "Será que essa senhora só faz programa pra maconheiro, pra bandido, pra esquerdista derrotado e pra esses projetos de artista assim como ela?" E pediu: "O Brasil vai sabotar a senhora, se Deus quiser".

Antes de escrever isso, o cantor possivelmente viu apenas um clipe do programa, gravado em julho, no qual a apresentadora repete velhas bandeiras suas, falando genericamente, sem mencionar nenhum político: "Vamos sabotar a engrenagem desse sistema de opressão. Vamos sabotar a engrenagem desse sistema homofóbico, racista, patriarcal, machista e misógino".

Os índices de audiência de "Amor & Sexo" em 2018 foram abaixo da média, mas até o momento nenhuma pesquisa comprovou que isto tenha ocorrido como resultado de algum tipo de boicote. Desconfio que as críticas nas redes sociais vieram, em sua maioria, de gente que já não assistia ao programa.

Para mim, é um mistério o incômodo causado por "Amor & Sexo". Ainda que didático, ele não busca convencer ninguém de nada – a sua única batalha é pelo esclarecimento. Em outras palavras, nenhum espectador vai virar gay ou casar com alguém do mesmo sexo se assistir ao programa, mas vai ouvir da apresentadora e de seus convidados que deve respeitar a sexualidade alheia.

Num mundo ideal, não seria preciso, por exemplo, tentar ensinar que há diferentes tipos de arranjo familiar, além do mais tradicional. Neste mundo, que não existe, um programa como "Amor & Sexo" seria desnecessário, até mesmo ridículo.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

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