Só no fim, "Segundo Sol" mostra coragem para rir de si mesma e do Brasil
Um recurso que faltou em quase toda a novela sobrou no último capítulo: deboche. Sem medo, "Segundo Sol" não se levou a sério e riu de si mesma. Também tripudiou do modelo engessado das novelas da Globo e da realidade brasileira.
Toda a sequência do sequestro do bebê de Rosa foi digna de uma produção top da Televisa. A cena mais cômica de todas talvez tenha sido a que mostrou Karola (Deborah Secco) se colocando diante de Severo (Odilon Wagner), o pai que ela descobriu no antepenúltimo capítulo, para evitar que Laureta (Adriana Esteves) atirasse nele. Ou a que exibiu o exército de Brancaleone achando que estava num seriado americano, tipo "MacGyver", invadindo a casa da vilã para resgatar o bebê. Ou, por fim, o "sacrifício" de Karola, morrendo para evitar que Valentim (Danilo Mesquita) fosse atingido pelo tiro disparado por Laureta, sua mãe.
Este excesso de absurdos não foi acidental. Ao exagerar em algumas situações, como a deste sequestro, João Emanuel Carneiro deu a entender que estava entregando o que se esperava dele: clichês e facilidades, como apontou o crítico Nilson Xavier. Quase dizendo que a novela não era dele.
Já a cena do beijo de Groa (André Dias) em outro homem, de uma naturalidade total, que não se viu nos demais 154 capítulos, passou a impressão mais de medo do que de coragem. O mesmo que se observou no tratamento hesitante que o autor deu para o caso de Maura (Nanda Costa) e Selma (Carol Fazu). Impossível não lembrar da rejeição sofrida por "Babilônia", que exibiu um beijo entre duas mulheres, as personagens de Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg, no primeiro capítulo.
Laureta ofereceu a Carneiro a oportunidade de alguma crítica social e muito deboche. Primeiro, o autor a mostrou como uma espécie de rainha da cadeia, tendo ao seu dispor não apenas uma criada como também mordomias que lembraram as que um ex-governador encarcerado foi capaz de usufruir.
Remy (Vladmir Brichta), no papel de cafetão, também serviu ao autor para um desabafo que ele evitou em quase toda a novela. Diante da surpresa de uma garota de programa com a notícia de que Laureta seria solta, ele disse: "Ah, como vocês são inocentes. A inocência de vocês é comovente. Isso aqui é Brasil, criançada! Isso aqui é Brasil, criançada!!!".
Ao deixar a prisão, diante da imprensa que a aguardava, Laureta afirmou que as acusações contra ela eram mentiras. "Fake news. Estamos na era fake. Chega de mentiras nesse país", disse. Anunciou que o seu próximo passo seria a política. "Alguém precisa botar ordem nessa zona e esse alguém sou eu". Explicou que planejava ser "uma mãe para esse povo tão sofrido que precisa de diversão e alegria" – talvez estivesse se referindo ao mesmo "povo" que assistia "Segundo Sol".
Questionada sobre seus planos para a economia, a futura política se recusou a responder: "E tenho dito, minha linda". Por fim, anunciou o seu slogan: "Laureta no poder, garantia de prazer. Laureta 6969. Votem Laureta".
Por fim, a última cena de "Segundo Sol" expressou tudo que a novela poderia ter sido e não foi – uma comédia sarcástica sobre a indústria musical. Clóvis (Luis Lobianco) e Gorete (Thalita Carauta) planejaram fazer algo para chamar a atenção e ficar famosos. "Uma tragediazinha", ensinou ela, dando a ideia de um falso naufrágio. Em vez de concluir com a cena de festa, com todos os personagens, a novela terminou rindo dos dois fracassados enquanto eles viviam um naufrágio de verdade.
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