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Fala racista de Rochelle justifica ausência de negros em “Segundo Sol”

Mauricio Stycer

25/09/2018 05h01


"Segundo Sol" estreou em maio sob protestos por encenar uma história ambientada em Salvador, uma cidade com população em sua maioria negra ou parda, tendo um elenco majoritariamente branco. Na ocasião, a Globo reconheceu uma "representatividade menor do que gostaríamos", mas defendeu as escolhas do autor da novela, João Emanuel Carneiro, dizendo que "não pauta as escalações de suas obras por cor de pele, mas pela adequação ao perfil do personagem, talento e disponibilidade do elenco".

Quatro meses e uma centena de capítulos depois, a discussão sobre diversidade racial foi tratada pelo próprio autor em uma cena pesada. Em meio a uma refeição na mansão da família Athayde, Rochele (Giovanna Lancelotti) expôs um misto de racismo com pragmatismo ao discutir com Roberval (Fabrício Boliveira). Manoela (Luisa Arraes), Edgar (Caco Ciocler) e Karen (Maria Luisa Mendonça) também participaram. Em meio à briga, a fala principal da jovem faz referência à própria novela: "Não tem preto em lugar de rico nem aqui em Salvador", diz ela. Veja abaixo:


Rochelle: Então, a gente finge que acredita que um homem como você chegou onde chegou sem nenhuma maracutaia.
Roberval: O que você tá querendo dizer com um homem como eu?
Manoela: Tá sendo racista, não é, Rochelle?
Roberval: Seja clara! Porque eu sou negro? Filho da empregada?
Rochelle: É, ué! Óbvio! Ah, Roberval, para, né? Vai ficar com hipocrisia agora, aqui? Vamos falar de realidade? Falar de verdade? Eu nasci em Salvador, que é o berço da negritude no Brasil, certo? Você sabe quantas crianças pretas tinham na minha escola? Nenhuma. Sabe por quê? Porque era uma escola de rico. E não tem preto em lugar de rico nem aqui em Salvador.
Karen: Chega, Rochelle.
Roberval: Chega, Rochelle. Eu estou cansado deste seu privilégio, deste seu mimimi. Saia da mesa agora!
Rochelle: Tá cansado? Problema é seu! Tô dentro da minha casa. A boca é minha e eu falo o que eu quiser.
Roberval: Pois eu vou te mostrar o poder que um negro pode ter. Levante dessa mesa e saia da minha casa agora.
Edgar: Você não precisa expulsar Rochelle de casa pra lhe dar uma lição.
Roberval: Você alguma vez já deu educação para a sua filha, Edgar? Não. Rochelle, vai embora dessa casa, agora.
Rochelle: Vocês são um bando de covardes, é isso que vocês são. Meu pai e minha mãe não abriram a boca enquanto esse preto me expulsava da casa onde nasci. Esse preto não vai me expulsar da casa onde nasci!
Karen: Eu tenho vergonha de você.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.