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“Onde Nascem os Fortes” é um oásis no deserto atual de novelas na televisão

Mauricio Stycer

03/05/2018 05h01


No melhor dos mundos, a ficção exibida na TV deveria ser capaz de prender a atenção do publico com uma história emocionante, mas também fazer pensar com diálogos inteligentes e provocar a imaginação com imagens não convencionais.

Muitos catedráticos em matéria de televisão não concordam com isso. Eles acham que novela tem que dar audiência e pronto. Para isso, precisa satisfazer o espectador sem exigir nenhum esforço dele. Este tem sido, também, o pensamento dominante hoje na produção de teledramaturgia na Globo (bem como na de seus concorrentes).

Neste deserto, "Onde Nascem os Fortes" é o oásis. No ar desde a última semana de abril, parece ter a função de mostrar que, quando quer, a emissora-líder abre uma exceção e mostra que sabe produzir ficção com qualidade acima da média. Do tipo que exige algum esforço de quem assiste.

Por acima da média me refiro às qualidades elencadas no primeiro parágrafo. Não é muita coisa. Com direção de José Luiz Villamarim e texto de George Moura e Sergio Goldenberg, a supersérie apresenta um drama clássico, em um cenário interessante, mas não inédito, com elenco conhecido e narrativa convencional (o diretor está entre os dois autores na foto).

O que diferencia "Onde Nascem os Fortes" é, em primeiro lugar, não tratar o espectador como alguém que precisa ser tutelado e receber tudo de forma mastigada. O texto de Moura e Goldenberg deixa espaço para silêncios em cena, para olhares e para reflexão de quem está assistindo.

O cuidado de Villamarim com a encenação, a fotografia e o desempenho dos atores, para não falar da trilha sonora, é bem conhecido. Entre 2013 e 2016, ele fez "O Canto da Sereia", "Amores Roubados", "O Rebu", "Justiça" e "Nada Será como Antes" – trabalhos originais e, cada um à sua maneira, com a marca do diretor.

Desta vez, no sertão da Paraíba, com um time formado por Alexandre Nero, Patrícia Pillar, Fabio Assunção, Debora Bloch, Irandhir Santos, Maeve Jinkings, Gabriel Leone, Alice Wegmann e Enrique Diaz, Villamarim está em seu melhor momento, na minha opinião.

As referências do diretor são o filme "O Céu que Nos Protege" (1990), de Bernardo Bertolucci, bem como obras do Cinema Novo brasileiro, para não falar do clássico "Lawrence da Arábia", de David Lean. A paisagem árida, a areia e a poeira são personagens – o sertão "contracena sem ser filmado", como disse Villamarim a Nilson Xavier. Não à toa, o popular Fausto Silva reclamou, depois de ver uma chamada da supersérie: "Muita areia nesta chamada". Para Faustão, novela boa deve ser "O Outro Lado do Paraíso".

Na pequena cidade onde se passa a história, Maria (Alice Wegmann) e sua mãe, Cássia (Patricia), tentam solucionar um drama familiar, mas se veem enredadas entre o empresário poderoso (Nero), o juiz canalha (Assunção) e o policial corrupto (Diaz). À distância, o místico Samir (Irandhir) oferece conforto espiritual.

Mais do que em seus trabalhos recentes, desta vez Villamarim está esticando a corda do melodrama, uma característica que de certa forma aproxima "Onde Nascem os Fortes" de uma novela mais tradicional. Até por isso, merecia ir ao ar em um horário mais acessível. A supersérie é exibida, às segundas, por volta das 22h30, logo depois da novela das 21h. E às terças, quintas e sextas começa depois das 23h.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

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