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Datena tropeça na missão impossível de ficar no ar por seis horas

Mauricio Stycer

22/04/2018 20h59


José Luiz Datena queria tanto trocar o jornalismo pelo entretenimento que aceitou a proposta mais insensata que recebeu na vida: apresentar um programa de seis horas de duração aos domingos, das 15h às 21h, na Band. Imagino, depois desta estreia, que já esteja revendo seus planos.

Uma tarefa destas exige uma superprodução, com muitas atrações, pautas variadas, criatividade e agilidade – e não há nada parecido com isso em "Agora É com Datena". O apresentador encarou a missão dada na raça, mas tropeçou. O programa se mostrou arrastado, sem graça, sem assunto e sem roteiro.

Com tantas carências, foi preciso esticar as atrações até não poder mais. Bruno & Marrone ficaram 65 minutos no ar. Amado Batista quase tanto tempo quanto. Uma mesma reportagem foi exibida duas vezes – a reprise foi interrompida no meio. Cansado, depois de 35 minutos no palco, Zezé di Camargo se sentou no chão – uma pessoa da produção correu e trouxe um banco (e ele ainda ficou mais meia hora no ar).

Ainda bem pouco à vontade na função, Datena deixou claríssimo que uma de suas missões é enrolar mesmo. Para Bruno & Marrone, ele disse: "Nós combinamos: a hora que vocês quiserem ir embora, vocês podem ir. Se não quiser, pode ficar aqui até amanhã. A hora que começar a torrar a paciência, pode ir embora". Conversando com Amado Batista, o apresentador disse: "Ele tem 460 musicas. Se quiser, a gente pode ficar aqui até amanhã."

A certa altura da interminável participação de Batista, Datena olhou a hora no relógio e disse: "Mais uma música de trabalho?" E, na volta de um raro intervalo comercial, contou: "O Amado me falou que gostou do formato". O cantor respondeu: "Parabéns. Estava faltando um programa desses aos domingos para o artista poder mostrar o seu trabalho geral". "Com tranquilidade", completou Datena.

E, referindo-se à medição de audiência, o apresentador explicou: "Porque tem a história do minuto a minuto. O cara começa a cantar, aí, de repente, por causa da audiência, corta a música no meio. 'Vamos botar outra coisa'. Aqui não funciona assim", disse. "O tempo passou e eu nem percebi", acrescentou.

Ainda que tenha exibido muito material gravado previamente, Datena permaneceu ao vivo por muitas horas – e aproveitou pouco o fato. Não fez referências a notícias do dia ou a qualquer acontecimento mais "quente". Também não interagiu com a plateia, que resistiu bravamente à maratona.

Além de música, o programa mostrou uma reportagem especial sobre a "venda de venezuelanos para trabalho escravo e prostituição no Brasil" e uma entrevista com Jair Bolsonaro, pré-candidato à Presidência. Datena prometeu entrevistar os presidenciáveis que quiserem ir ao seu programa e disse que Ciro Gomes já se comprometeu a participar. Uma produção mais séria não estrearia sem ter acertado previamente entrevistas com os principais pré-candidatos.

Uma reportagem com Luan Santana, na qual se promoveu o encontro com uma fã de 81 anos, mostrou que "Agora É Com Datena" também vai recorrer ao sentimentalismo típico dos seus concorrentes dominicais no SBT (Eliana) e na Record (Faro). Também não faltou, como sempre há nos rivais, um momento de grande emoção, quando Zezé di Camargo falou da delicada situação de saúde do pai.

A última hora do programa foi dedicada a um gameshow, "A Fuga", um formato estrangeiro adquirido pela Band. Foi um momento em que Datena se sentiu mais à vontade, se divertindo e interagindo com os participantes. Ajudou, talvez, a experiência que teve em 2012 no comando do "Quem Fica em Pé?".

Gravado previamente, também, o divertido "A Fuga" não tem relação alguma com o restante do programa de Datena e só reforça a impressão de que a Band montou uma colcha de retalhos, às pressas, para preencher a grade de domingo.

Audiência (atualizado em 23/4): A estreia de "Agora É com Datena" deixou a Band em quarto lugar no Ibope, em São Paulo, atrás de Globo, Record e SBT. No ar por seis horas, o programa registrou média de 3,2 pontos. No seu melhor momento, chegou a 4,6 pontos. Coincidência, ou não, o "Encrenca" da RedeTV! registrou neste domingo a melhor média de audiência desde a sua estreia, em junho de 2014, com 6,5 pontos (e pico de 8 pontos). No ar entre 19h59 e 22h47, o humorístico disputou audiência com Datena e com o "Show do Esporte", a outra estreia da Band neste domingo. Tatola Godas, Dennys Motta, Angelo Campos e Ricardinho Mendonça venceram os dois.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

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Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.