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Escola mais polêmica do 1º dia, Tuiuti é a que ganha menos espaço no JN

Mauricio Stycer

13/02/2018 01h55


A Globo parece ter algum problema com o desfile da Paraíso da Tuiuti – e o noticiário exibido nesta segunda-feira (12) no "Jornal Nacional" deixou isso evidente. A escola que exibiu o enredo mais polêmico do primeiro dia de desfiles ganhou apenas 35 segundos do telejornal. As demais escolas tiveram direito a muito mais – de 53 segundos dados para a Mocidade aos 90 segundos dedicados à Vila Isabel.

A dificuldade da emissora com o desfile começou ainda na madrugada de segunda-feira, quando a escola passou na avenida questionando a reforma trabalhista aprovada pelo governo Temer em 2017.

"Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?" perguntava o título do samba – e ele mesmo respondia que, 130 anos depois da Lei Áurea, várias situações ainda sugerem que não. Além de falar dos trabalhadores sem carteira, a escola comparou o presidente Temer a um vampiro e chamou de "manifestoches" os brasileiros que foram às ruas defender bandeiras da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

Os comentaristas da emissora (Fátima Bernardes, Alex Escobar e Milton Cunha) ficaram tão sem graça que nem mencionaram os nomes de Temer e da Fiesp. Posteriormente, no camarote da emissora, os aspectos que mais chamaram a atenção no desfile foram igualmente ignorados nas entrevistas com os participantes da escola.

Horas depois, no jornalístico "Bom Dia Brasil", o fenômeno se repetiu. A emissora mostrou imagens do "vampiro neoliberalista" sem dizer que era uma referência a Temer e exibiu a ala de "manifestoches" sem explicar o seu contexto.

No "Jornal Hoje", na hora do almoço, a situação melhorou. A repórter Isabela Scalabrini explicou que a Tuiuti apresentou um enredo com "críticas às relações de trabalho no Brasil". Observou que "alegorias e carros mostravam escravos e trabalhadores". E falou: "E nesta ala, o pato exibido pela Fiesp em manifestações. No último carro, um protesto contra o presidente Michel Temer".

Encerrado o "Hoje", a Globo exibiu um programa especial, no lugar do "Vídeo Show", dedicado a resumir a primeira noite dos desfiles. Apresentado por Sophia Abrahão e Marcos Veras, o desfile da Tuiuti voltou a ser um mistério para espectadores menos atentos.

"Não sei se você sabe, mas em 2018 se comemora os 130 anos da assinatura da Lei Áurea", disse Veras. "Foi por isso que a Paraíso do Tuiuti perguntou na avenida: 'Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?'", emendou Sophia. "Com um desfile crítico, a escola mostrou que este é um capítulo de nossa história que ainda não terminou", completou ele. E mais não foi dito nem mostrado de maneira clara.

À noite, no "Jornal Nacional", a escola voltou a fazer um desfile com referências contemporâneas: "A Tuiuti mostrou manifestantes-fantoches, criticou a reforma trabalhista e o presidente Michel Temer", informou o repórter Hélter Duarte. Mas teve direito a praticamente a metade do tempo dedicado às outras seis escolas.

Em tempo: há um ano, no Carnaval de 2017, a Paraíso do Tuiuti foi notícia por ter protagonizado um grave acidente com um de seus carros alegóricos no Sambódromo, que deixou 20 feridos e causou uma morte. A escola ficou em 12º lugar, mas por causa do acidente (e de outros que ocorreram nos dois dias) não houve rebaixamento no ano.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

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