Livro que inspirou “Cidade Proibida” mostra como a Globo errou com a série
Antes da estreia de “Cidade Proibida”, tentei ler “O Corno que Sabia Demais”, livro que inspirou a série da Globo, mas ele estava esgotado e sumido até dos sebos. O lançamento este mês de uma nova edição desta HQ confirmou o que eu suspeitei ao assistir aos primeiros episódios: a adaptação para a televisão está muito equivocada.
Wander Antunes, criador do detetive Zózimo Barbosa e autor das histórias de “O Corno que Sabia Demais”, dá a dica logo na introdução do livro. No início, ele imaginou que o seu detetive era uma espécie de Sam Spade, o protagonista de “O Falcão Maltês”, um dos clássicos da literatura noir americana, escrito por Dashiell Hammett (1894-1961) e vivido no cinema, de forma marcante, por Humphrey Bogart (1899-1957).
Mas, desenvolvendo as histórias, Antunes se deu conta que Zózimo bebia em outras fontes – a bagunça brasileira, Nelson Rodrigues e, sobretudo, o Amigo da Onça, personagem genial do cartunista Péricles Maranhão (1924-1961), cujas histórias eram publicadas na revista “Cruzeiro”.
Em outras palavras, o Zózimo de Wander Antunes é um detetive particular sacana, abusado, às vezes amoral, “primo distante” do Amigo da Onça. Não é engraçado nem galã, como o personagem interpretado por Vladimir Brichta. A atmosfera que ele vive, no Rio de Janeiro dos anos 50, não tem glamour. Os bares parecem “sujos”, as traições são intensas – muito diferente do clima asséptico da série da Globo.
O delegado Paranhos de “Cidade Proibida” tem pouco paralelo com o tipo das histórias de Antunes. Ailton Graça criou um personagem meio cômico, espalhafatoso, muito longe do sujeito que faz alguns serviços sujos para o Zózimo da HQ.
O mesmo acontece com Bonitão. José Loretto desenvolveu um personagem igualmente cômico, teatral, sem relação com o tipo meio trágico dos quadrinhos. Marli (Regiane Alves), a prostituta apaixonada por Zózimo, é uma criação de Mauro Wilson, o roteirista da série.
Alguém poderá dizer que a Globo não tinha nenhuma obrigação de ser fiel ao espírito do detetive Zózimo Barbosa original. É verdade. Não tinha mesmo. Mas, por opção do diretor Mauricio Farias, a série nasceu desidratada, sem o que a história e os personagens têm de melhor e mais provocativo.
“Cidade Proibida” resultou numa série morna, sem força, com um tom cômico que pode torná-la mais fácil e aceitável ao grande público. Mas lendo “O Corno que Sabia Demais” (editora Noir, 100 págs., R$ 34,9), fica claro o tamanho do desperdício. Leia o livro.
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Sobre o autor
Jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 29 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na “Folha de S.Paulo''. Começou a carreira no “Jornal do Brasil'', em 1986, passou pelo “Estadão'', ficou dez anos na “Folha'' (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o “Lance!'' e a “Época'', foi redator-chefe da “CartaCapital'', diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros “Adeus, Controle Remoto'' (editora Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e “O Dia em que Me Tornei Botafoguense'' (Panda Books, 2011).
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