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O que une um amigo da rainha em “The Crown” ao castelo de “Downton Abbey”

Mauricio Stycer

01/01/2017 06h01

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Um dos temas recorrentes em "The Crown", a grande série sobre a família real britânica lançada pelo Netflix, é o confronto entre aparência e realidade. Consciente do seu anacronismo, a monarquia faz de tudo para ser admirada e querida. Para isso, o povo não pode ser contaminado por seus problemas e fraquezas.

Inúmeros episódios reais ganham vida sob esta dupla perspectiva – a imagem que a família desejava projetar e o que estaria acontecendo, de fato, nos bastidores. Com base em vasta bibliografia, mas também dando asas à imaginação, o roteirista Peter Morgan coloca o público dentro dos palácios, dos gabinetes e salões de festa reais. É divertido demais.

thecrownchurchillrainhaAo tratar o espectador como íntimo da família real, Morgan (autor também do roteiro do filme "A Rainha") não se vê obrigado a perder tempo com didatismo. A série pressupõe que já conhecemos aqueles episódios e situações; só estamos tendo a oportunidade de vê-los sob outra perspectiva.

Por este motivo, "The Crown" provoca uma reação curiosa em espectadores que têm algum conhecimento sobre o assunto, mas não são pós-graduados em família real e história britânica do pós-guerra: a busca por mais informações sobre os temas tratados. Falo por mim e por muita gente que conheço. A cada situação interessante exibida, me peguei dando "pause" na tela e correndo à internet para pesquisar mais a respeito.

thecrownrainhaporchiecena2Fiz isso dezenas de vezes. Um dos episódios que desconhecia totalmente é o da relação de amizade (e algo mais, sugere a série) entre a rainha e o sétimo conde de Carnarvon, lorde Porchester (1924-2001), conhecido como Porchie.

Um parêntesis: o avô de Porchie, o quinto conde de Carnarvon, ficou famoso por ter financiado o arqueólogo Howard Carter e participado da expedição ao Egito que descobriu a tumba de Tutancâmon, em 1922. O conde morreu alguns meses depois, em março de 1923, no Cairo, vítima de uma infecção, o que ajudou a propagar o boato de que foi vítima da "maldição do faraó".

A história de Porchie surge no nono episódio de "The Crown", num momento em que o casamento entre Elizabeth e o príncipe Philip está em crise. Ele é o criador dos cavalos de corrida da rainha e, como mostra a série, um grande admirador de Elizabeth. Ela dá a ele uma "linha vermelha" no palácio, um direito oferecido a poucos de telefonar diretamente para ela, sem passar pela telefonista.

thecrownrainhaphilipporchieA série retrata, ainda, uma crise de ciúmes de Phillip, que reclama da intimidade da rainha com Porchie (na cena ao lado, o príncipe aparece ao fundo, olhando para os dois, depois de uma corrida). "Não tenho nada a esconder de você", ela diz. "Nada. Porchie é um amigo e, sim, houve quem preferisse que eu tivesse me casado com ele… Mas, para frustração de todos, a única pessoa que amei foi você", diz Elizabeth em "The Crown" .

downtonabbeycasteloA revista "Vanity Fair" revelou um detalhe curioso a respeito de Porchie e de sua relação com a rainha. Ele nasceu na propriedade da família, o castelo de Highclere, que vem a ser, exatamente, a mansão onde foi filmada a série "Downton Abbey" – uma ficção, em seis temporadas, que descreve o cotidiano de uma família de nobres britânicos entre 1912 e 1925.

E, mais, segundo o jornal "The Telegraph", a rainha adorava assistir "Dowton Abbey" e apontar os erros da série, segundo um historiador, "justamente porque ela conhece bem o castelo de Highclare, onde foi hóspede da família Carnavon".

Enfim, a primeira temporada de "The Crown" me divertiu não apenas pelo que mostrou, mas também pelo que me provocou a ler e pesquisar.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

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Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.