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Série olímpica do JN expõe cinco pecados do jornalismo esportivo “fofo”

Mauricio Stycer

24/07/2016 07h01

Às vésperas dos Jogos Olímpicos do Rio, a Globo está exibindo uma série de 16 reportagens no "Jornal Nacional" dedicada a atletas olímpicos. Apresentada pelo repórter Pedro Bassan desde o último dia 11, é um exemplo do que chamo de jornalismo esportivo "fofo", destinado a fazer o espectador se emocionar a qualquer custo.

Patrocinadora dos Jogos Olímpicos do Rio, a Globo pagou US$ 200 milhões (cerca de R$ 700 milhões) pelos direitos de transmissão do evento.

Escrevi no último domingo (17) na "Folha" um texto criticando a ênfase nas passagens poéticas das reportagens e na encenação teatral de algumas situações, além da omissão em relação à realidade das modalidades esportivas no Brasil. Comentando a reportagem de Bassan com Artur Zanetti, concluía meu texto assim:

Como a grande maioria das modalidades esportivas olímpicas, a ginástica olímpica brasileira padece de enormes e graves problemas, de todas as ordens. A trajetória de Zanetti, como se sabe, é um caso excepcional, que está longe de configurar regra. Nada contra louvar o desempenho do atleta, mas fazer isso com poesia e teatro, e não com bom jornalismo, pode até provocar lágrimas e angariar pontinhos no ibope, mas nada além disso.

Em resposta ao texto, recebi de um experiente jornalista, que pede para se manter anônimo, uma mensagem na qual ele aponta cinco pecados deste tipo de reportagem "fofa".

1. O primado da forma sobre o conteúdo. Há um excesso de inserções de arte em 3D sem nenhuma necessidade, uso de filtros para colorir artificialmente as imagens, "embelezando", sem falar no excesso de importância atribuído à "passagem" (o trecho em que o repórter põe a carinha no vídeo). A passagem em que o repórter surge montado a cavalo num VT sobre pentatlo moderno foi demais. O Bassan estava se achando John Wayne?

2. A duração das reportagens. Nove minutos de VT só se explicam pelo fato de estarmos em julho, um mês de noticiário fraco. Mas o resultado é: no dia do atentado de Nice, em 14 de julho, não derrubaram um VT do Bassan de 9 minutos, que acabou ocupando praticamente o mesmo tempo da cobertura do atentado, um evidente erro editorial.

3. A mania das "séries". Em TV, onde é preciso encher muita linguiça, a série é uma solução confortável para as chefias. Preenche "tempo de produção" e exige pouco raciocínio para criar.

4. Falta de originalidade. Toda Olimpíada é a mesma coisa. Resulta em "perfilzões" que permitem a todo mundo "brilhar": o repórter, que faz passagens bonitas; o produtor, que viaja para entrevistar pai, mãe, cachorro, papagaio; o editor de imagem, que faz uma edição caprichada e com tempo; o cinegrafista, que faz imagens top, etc.

5. E o jornalismo? Em meio a tudo isso, o que menos importa é se a matéria é relevante. E tome choro de pai e mãe, muita emoção ("TV é emoção") etc. Tocar em assuntos espinhosos, como doping, assédio sexual, fraude nas obras olímpicas, dinheiro mal gasto no esporte? Jamais. Isso, sim, daria trabalho.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.