Corajosa, “Velho Chico” coloca o dedo na ferida do racismo
A chegada de Sophie (Yara Charry), a namorada francesa de Miguel (Gabriel Leone), colocou em primeiro plano em "Velho Chico" um tema que estava sendo tratado, até então, apenas de forma implícita: o racismo. Praticamente o capítulo inteiro desta quinta-feira (30) foi dedicado a discutir o assunto de uma forma sensível e inteligente.
De uma linhagem de coronéis nordestinos, Afrânio de Sá Ribeiro (Antonio Fagundes) reproduz em sua fazenda um arranjo arcaico, no qual é reservado aos negros o espaço da roça e da cozinha. Por isso, o seu queixo cai ao ver a negra Sophie pela primeira vez.
Assim que a jovem entra em sua casa e se senta à mesa do jantar, ele não consegue controlar o racismo. Em voz alta, na frente de toda a família e da convidada, diz: "Mas é uma negrinha! Precisava atravessar o Atlântico pra isso? Com o tanto que temos aqui".
Sophie estuda moda em Paris. Compreende português o suficiente para se dar conta que os comentários de Afrânio e também de Carlos Eduardo (Marcelo Serrado), pai de Miguel, são racistas. Fica chocada, mas não se altera, apenas comenta em voz baixa com o namorado.
Na cozinha, a empregada Dalva (Mariene de Castro) assiste a tudo entre espantada e maravilhada – tem dificuldade de entender que uma negra como ela está na sala, sentada com os patrões. Diz a Doninha (Sueli Bispo), a empregada mais antiga, que quer aprender francês.
Afrânio e Carlos Eduardo, a sós, são ainda mais explícitos no racismo. "Nessa casa, não passa da cozinha", diz o coronel sobre Sophie. "Miguel não entende que somos a elite deste país. Eu não sou preconceituoso, mas esse país é racista", diz o deputado. "Se livre dessa uma", pede Afrânio ao genro.
Carlos Eduardo, então, dirige-se ao quarto do filho, para tentar resolver o "problema" Sophie. Miguel não deixa o pai falar e faz um discurso contundente:
"Não admito nenhum palavra sobre ela. Não quero ouvir esse teu preconceito camuflado de intolerância. Tá nos seus olhos. Num país negro, mestiço, como o Brasil, o senhor ainda tem a ignorância de dividir as pessoas pela cor da pele. E não tem nenhuma palavra bonita que o senhor possa dizer que vai mudar o que o senhor sente aí. O senhor acredita num Brasil retrógrado, um país sem cidadãos, só com escravos e patrões. O senhor venera com orgulho as maiores atrocidades e vergonhas desse pais. E alimenta isso. E quer propagar isso pelas próximas gerações. Mas eu não vou permitir."
A matriarca da família, Encarnação (Selma Egrei), também trata do assunto com o filho Martin (Lee Taylor). Ela se diz surpresa com a namorada negra do neto e diz: "Passou um pouquinho do ponto". Mas em seguida, do alto dos seus 100 anos, conserta: "Nessa altura da vida, tô me lixando pra isso. A sua mãe mesmo, Leonor, a roceira, não era negra, mas não era branquinha de tudo. Ela tinha lá as suas misturas."
Foi, enfim, mais um capítulo de alto nível – e corajoso – de "Velho Chico".
Veja também
Atriz francesa é substituída às pressas em "Velho Chico"
Sobre o autor
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.