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Dois livros revivem o caos, as brigas, o talento e a raça do Botafogo de 95

Mauricio Stycer

27/12/2015 12h07

TulioBotafogo95
Segundo título nacional do Botafogo (o primeiro é a Taça Brasil de 1968), o Brasileiro de 1995 é indiscutivelmente a conquista mais importante do clube carioca. Não à toa, nos festejos dos 20 anos da glória, a data está sendo lembrada não por um, mas por dois livros.

Ambos se enquadram no gênero que mais movimenta o ramo esportivo da indústria editorial: os "livros de comemoração". São obras sem ambição universal, normalmente destinadas ao torcedor de um clube específico, escritas por jornalistas esportivos ou pesquisadores dedicados.

O leitor que se aventurar pela leitura dos dois livros notará que são muito diferentes, num sinal da riqueza do assunto e das possibilidades de contar uma mesma história.

ATuaEstrelaBrilhaClaudio Portella e Rafael Casé, em "95 – A Tua Estrela Brilha", optaram por uma reconstituição emotiva, pela voz de dezenas de testemunhas da campanha, incluindo quase todos os jogadores do elenco (do goleiro Wagner ao artilheiro Tulio) até o comandante do voo que levou o Botafogo de Guarulhos ao Santos Dumont na madrugada seguinte ao título.

O relato da dupla é enriquecido ainda pelas memórias de inúmeros repórteres que acompanharam a rotina do Botafogo em 1995, bem como pelas lembranças do técnico (Paulo Autuori), do vice de futebol (Antonio Rodrigues) e do presidente (Carlos Augusto Montenegro).

O livro traz, ainda, uma dezena de textos na primeira pessoa, alguns escritos por botafoguenses famosos, como Marcelo Adnet, Thierry Figueira, Helio de La Peña e Sandra Moreyra, outros por jornalistas conhecidos, como Paulo Vinicius Coelho, Mauro Beting e Mauricio Fonseca.

BotafogoDe95Já Thales Machado, em "O Botafogo de 95", preferiu uma reconstituição cronológica, fundada numa pesquisa detalhada em jornais da época e em entrevistas com alguns poucos personagens-chaves da conquista – Montenegro, Autuori, Tulio e Gottardo.

O livro de Machado mostra, de forma muito clara, como o título de 1995 não tem nada a ver com planejamento, "projeto" ou investimento. Como ocorreu nas últimas quatro décadas, o Botafogo enfrentou naquele ano caos financeiro, atraso de salários, falta de estrutura, entre outros problemas crônicos.

A conquista, entende-se lendo o livro, é resultado de algumas iniciativas individuais, muito acaso, voluntarismo de Montenegro, golpes de sorte e a entrega excepcional de um elenco montado às pressas. O saldo final, como se sabe, foi muito acima das expectativas – uma campanha excelente, com 14 vitórias, nove empates e quatro derrotas.

O apoio de um amigo botafoguense de Montenegro, José Talarico, então em um cargo importante na Pepsi-Cola do Brasil, é um elemento-chave na história. A empresa decidiu usar o Botafogo e Tulio, em particular, para lançar o refrigerante Seven Up. O jogador recebia salários diretamente da Pepsi, enquanto os demais, por causa dos atrasos de até cinco meses, sobreviviam a base de vales e "bichos" por vitórias.

O caos no Botafogo de 1995, também está presente, mas sem a mesma ênfase na obra de Portella e Casé. Os dois livros lembram do "racha" no grupo, que opôs Gottardo e Sergio Manoel a Tulio justamente por conta dos salários atrasados.

Vários episódios "históricos" voltam à tona. O desconhecido Autuori foi barrado pelo porteiro do Botafogo no seu primeiro dia. Montenegro pagou "bicho" depois de uma derrota porque gostou do desempenho da equipe em campo. Túlio escapava à noite da concentração, mas ninguém falava nada pois no dia seguinte, invariavelmente, marcava gols decisivos. Donizete fez teste para a final no corredor do hotel, sentiu a dor, mas o presidente decidiu que ele jogaria (mancando).

São muitas as histórias, envolvendo ainda Beto (comprado por 50 pares de chuteiras), Iranildo (que chegou ao clube pesando 53 kg), Leandro Ávila (emprestado junto ao Vasco num episódio em que Montenegro enganou Eurico Miranda). E muito mais.

Os dois livros têm o mérito de colocar o botafoguense dentro do clube, do vestiário e, o mais importante, no gramado do Pacaembu em 17 de dezembro de 1995. A partida final, contra o Santos, naturalmente é o clímax das duas obras.

O jogo dramático, marcado por erros de arbitragem, é revivido com frescor e algum clubismo. Não poderia ser diferente. Torcedores do Santos reclamarão até o fim dos tempos por causa da partida. Ainda assim, como diz Machado, "atribuir a erros de arbitragem de uma só partida todo um trabalho, história, causos e construção de um time que fez muito garoto se apaixonar, muito marmanjo voltar a ter orgulho de seu clube é, no mínimo, ignorância futebolística".

Em tempo: Em nome da transparência, informo que sou botafoguense e que colaborei com um texto curto para o livro "95 – A Tua Estrela Brilha".

Ficha técnica: "95 – A Tua Estrela Brilha", de Claudio Portella e Rafael Casé (Maud, 208 págs. R$ 50). "O Botafogo de 95", de Thales Machado (Edição do autor, 292 págs, R$ 35)

Este texto foi publicado originalmente no UOL Esporte.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.