Livro relembra a época em que a TV era “máquina de fazer doido”
Sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, Sergio Porto (1923-1968) deixou um famoso – e engraçadíssimo – registro sobre os primeiros anos da ditadura que se estabeleceu no Brasil em 1964: o "Febeapá – Festival de Besteira que Assola o País".
Os textos, com comentários e crônicas sobre os absurdos ditos e cometidos por militares, políticos e jornalistas ao longo de cinco anos, entre 64 e 68, foram publicados em três livros, todos com o título "Febeapá" — o último deles no ano de sua morte precoce, de infarto, aos 45 anos.
A Companhia das Letras acaba de reunir os três volumes em um só livro (482 págs., R$ 54,90), com apresentação de Sergio Augusto e posfácio de João Adolfo Hansen. É leitura das mais engraçadas – e, às vezes, capaz de sugerir muitos paralelismos com os dias de hoje. Uma boa resenha do lançamento, publicada na "Folha", pode ser lida aqui: Stanislaw Ponte Preta castiga com picardia os poderosos do país.
Para quem se interessa pela história da televisão, Sergio Porto deixou vários comentários e histórias sobre a sua experiência, como redator de programas em diferentes emissoras (Tupi, Rio, Globo, Excelsior, Record) nos anos 60. Os textos estão reunidos em "A Máquina de Fazer Doido", também incluído em "Febeapá".
São observações quase sempre sérias, bastante críticas, sobre a baixa qualidade da televisão naqueles anos. "Na televisão brasileira é assim; o sujeito que não sabe fazer nada acaba sempre diretor", escreve, por exemplo.
Falando de um programa de auditório cuja descrição lembra muito a "Buzina do Chacrinha", apresentado na Globo até 1972, Sergio Porto assim se refere aos candidatos que participam da atração: "esses coitados que, levados pela ingenuidade e muitas vezes pela necessidade, comparecem aos programas ditos de calouros para serem humilhados" .
O autor também critica a exploração feita em um quadro apresentado por Silvio Santos no início dos anos 60 na TV Paulista (futura Globo), chamado "Rainha por um Dia" (por engano, Sergio Porto escreve "Rainha por uma Noite"): "Foi invenção de um tal de Silvio Santos, hoje milionário, segundo dizem, por ter industrializado, para uso exclusivo do rádio e da televisão, a burrice e a infelicidade humana".
O livro conta também uma história lendária, protagonizada por outro jornalista famoso na época, Antonio Maria (1921-1964), a respeito de uma atração que ambos escreviam para a TV Rio:
"O programa que fazíamos era horrível, mas era isto que o diretor artístico da estação queria, a ponto de – acredite quem quiser – manter outro redator só para piorar o que a gente escrevia. Um dia o Antonio Maria se aborreceu, entrou pela sala do diretor com cara de mau, atirou o escrito para o programa seguinte em cima da sua mesa e disse: 'Está aqui a minha parte do programa. Eu sinto muito, mas pior que isso eu não sei fazer'. Depois, no café da esquina, contava o que fizera, às gargalhadas".
Para encerrar, reproduzo duas frases de Tia Zulmira, outra personagem engraçadíssima criada por Sergio Porto. A primeira segue muito atual: "Quem assiste televisão durante a semana é incapaz de desconfiar que aos domingos é pior". A segunda, para muita gente, também vale para os dias de hoje: "Nada é mais educativo na nossa televisão que o botão de desligar."
Em tempo: As três ilustrações aqui reproduzidas são de autoria de Jaguar e constam da edição original do livro "Febeapá 3", lançado pela editora Sabiá em 1968.
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