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Quem gosta de novela se afastou da Record, diz autor de “Pecado Mortal”

Mauricio Stycer

30/05/2014 05h01

pecadomortalcarlao

Chega ao fim nesta sexta-feira (30), depois de 176 capítulos, a novela "Pecado Mortal", primeiro texto de Carlos Lombardi para a Record após 31 anos na Globo. Trama policial ambientada no Rio dos anos 70, foi um sucesso de crítica, mas fracasso de público.

carloslombardi13Com índices de audiência entre 5 e 7 pontos, a novela foi mudada de horário no meio do caminho e perdeu atores, entre outros percalços. Lombardi, no entanto, avalia a experiência como muito positiva. Diz – e concordo com ele – que "Pecado Mortal" merece ser lembrada como "uma novela diferente e ousada".

Neste entrevista ao UOL, realizada numa troca de e-mails nos últimos dois dias, ele tenta explicar por que a novela foi tão mal no Ibope. Aponta três razões: quem gosta de dramaturgia se afastou da Record, a emissora não soube como ajustar sua grade à da concorrência e, por fim, não exibiu o resumo de uma semana que foi planejado ao trocar de horário. "A programação precisa mudar de filosofia", resume.

"Pecado Mortal" será lembrada como uma novela que não emplacou no Ibope. Como você acha que ela merecia ser lembrada?
Carlos Lombardi – Como uma novela diferente e ousada.

Antes da estreia, você disse em entrevista ao UOL que esperava recuperar o público de novela da Record. Por que, na sua opinião, isso não ocorreu?
Acho que o público de dramaturgia foi se afastando da rede. Um produto só não faz um brand – a não ser que seja de nicho, como novelas infantis no SBT. Mesmo assim, o SBT tem uma tarde inteira de mexicanas, ou seja, dedica várias horas para dramaturgia, mesmo que de qualidade questionável. Se você pensar em Record hoje em dia, pensa o quê? Jornalismo e programas policiais. Nada contra. Meus filhos adolescentes adoram "Cidade Alerta". Só com mais produtos – acredito eu, que por sinal não tenho bola de cristal – vamos reviver o brand Record como lugar de dramaturgia e novelas.

Há uma outra razão também. Acredito que migração só acontece em final de um programa da emissora líder. É por isso que todos os canais se ajustam nas faixas horárias nos Estados Unidos e na Inglaterra. Primeiro falava-se que a novela entrava depois da novela das 9 da Globo. Só que não era fato. Ela começava em horários variáveis, mas que quase nunca coincidiam com o final da novela. A Globo foi esperta em fazer capítulos mastodônticos de "Amor à Vida". Às vezes ia até as 23h. Esmagou nosso espaço. Depois, na troca de horário, me foi falado que íamos bater com a novela do Maneco. Ok. Não batíamos. Começávamos 20 minutos depois da novela do Maneco. Acho, portanto, que a programação precisa mudar de filosofia – mas que fique claro, sou amador na área.

pecadomortalpicassoHá uma terceira razão. Insisti que na mudança do horário fizéssemos uma semana de compacto pra apresentar a novela para um público novo. Estava tudo pronto pra isso quando a decisão mudou e o resumo caiu. Falou-se em opiniões de que era impossível contar uma novela de 90 capítulos em cinco de compacto, que seria incompreensível. Pode ser que fosse pra quem falou, mas não era pra um autor, um roteirista. Eu sabia como fazer o resumo em cinco capítulos. Fiz até em um, às vezes, durante a novela. Portanto, acredito que o principal problema sempre foi uma programação algo hesitante e que não se amolda às trocas de horário da concorrente.

Claro que a novela começou um pouco dura demais, um pouco macha demais. Isso foi sendo ajustado. Tudo isso são chutes. Só sei que "Cidade Alerta" tem um público masculino e jovem grande, "Legendários" idem, e esse público precisa ser buscado mais objetivamente.

Como você avalia, ao final, a experiência de fazer uma novela na Record, após 31 anos de Globo?
Um desafio delicioso. Tive um espaço temático maior, mais ousado, mais variado. Encontrei lá um elenco motivado e muito profissional, gente que rala faz tempo e é melhor do que muita gente imagina.

A novela trocou de horário no meio do caminho, você foi obrigado a "matar" personagens (Heitor Martinez, Mel Lisboa)… De que forma os percalços atrapalharam a novela?
Matar personagens faz parte. Van Gogh ia morrer no capítulo 20 na sinopse. No caso da Mel Lisboa foi uma história que até agora não entendi. Foi pena porque adorava a personagem, que ficou com uma trajetória truncada. Mas já passei por coisa muito mais complicada em 35 anos de novelas que completo agora no final de junho.

Houve algo que você quis escrever ou mostrar que não foi possível na novela?
Algumas. Mas ficam aqui guardadas para o futuro. Não foram impossíveis por decisões políticas, foram impossíveis por dificuldades de produção (detalho mais no final)

pecadomortalcarlaopatriciaO que você mais gostou de ter feito em "Pecado Mortal"? Alguma cena em particular? Alguma trama? O tema?
Adorei fazer a vilâ romântica Dorotéia (abaixo). Fiz de Picasso (acima) o melhor vilão de minha carreira e do casal Carlão/Patrícia (ao lado) um forte rival a meu melhor casal até então, Raí e Babalú (de "Quatro por Quatro"). Foi uma delícia reencontrar muita gente com quem já tinha trabalhado no passado e conhecer um grupo novo, gente que fez a novela muito bem. Tive um nível de interpretação dos melhores da minha carreira.

E o que você não gostou?
Não gostei das câmeras Alexia. Dão qualidade próxima a cinema, mas são operacionalmente mastodônticas, o que engessou a linguagem da novela na sua primeira metade. Tudo tinha que ser feito com câmeras estáticas, então as marcações eram mais estáticas do que minha dramaturgia exige. Odeio supercloses e aqueles planos em que se os atores mexerem um milímetro vaza o contra-luz. As Alexia foram sendo abandonadas durante a narrativa, que melhorou muito. Elas podem ser ótimas para narrativas estáticas, contemplativas ou mais bem comportadas. Não pra minha dramaturgia que é sempre hiperativa.

pecadomortaldoroteiaResumindo?
Em síntese, adorei fazer "Pecado Mortal" ao mesmo tempo em que aprendi vários dos mecanismos que são típicos da Record – não estou falando de empresa ligada a igreja, nada disso. É do jeito que a produção foi montada. Acho que algumas mudanças seriam bem vindas, mas foi um ótimo ambiente de trabalho. E, como estava semi-aposentado, foi uma delícia voltar à ativa.

Ainda é possível inovar em novela? Você acha que conseguiu realizar algo novo?
Inovar sempre dá. Se dá audiência e em que circunstâncias, não sei. Mas também acho que o modelo de TV vai mudar tanto, mas tanto… As redes são conceitos já em processo de queda. Meus filhos assistem tudo pela internet, ou pelo menos 80% do que assistem. Logo vamos virar feirantes, cada um com sua banquinha, berrando "vem cá, freguesa!". Portanto, inovação sempre será bem vinda, especialmente num mercado que vai se segmentar muito.

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.