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Com cena irônica, “Amor à Vida” tenta fugir do rótulo de “novela mexicana”

Mauricio Stycer

04/12/2013 05h01

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Novela mexicana, no Brasil, é sinônimo de dramalhão, tramas rocambolescas, pouco compromisso com o realismo, heroínas que sofrem muito, vilãs terríveis, galãs mulherengos, atuações exageradas, dublagens mal-feitas e excesso de maquiagem. Quem assiste à programação vespertina do SBT tem uma ideia do que estou falando.

A novela no Brasil, em seus primórdios, tinha muitas destas características e, a partir dos anos 70, foi ganhando feição e traços próprios, depurando os exageros e aproximando o folhetim da realidade dos espectadores. Com conhecimento sobre o assunto ou por mera intuição, o noveleiro brasileiro aprendeu a diferenciar estes dois tipos de produção. Caracterizar uma situação de "dramalhão mexicano" se tornou uma espécie de ofensa por aqui.

walcyrvideoshow2Nos últimos meses, começaram a surgir críticas e reclamações sobre os excessos da trama de Walcyr Carrasco e uma nuvem estacionou sobre o Projac: seria "Amor à Vida" uma "novela mexicana"? A crítica tem sido feita por gente incomodada com os exageros, a falta de sutileza e as grosserias do texto, bem como com o excesso de situações dramáticas lançadas ao mesmo tempo e com algumas interpretações bem canastronas.

Algo me diz que o autor não está satisfeito com esta caracterização do seu trabalho. A ponto de, no capítulo de segunda-feira (02), Carrasco tentar fazer piada com a situação. Depois de mostrar Pilar (Susana Vieira) e Jacques (Julio Rocha) se beijando, houve o seguinte diálogo:

Jacques: A gente já está se conhecendo faz um tempo, Pilar. A gente tem que se conhecer melhor.
Pilar (rindo): Você já pensou em trabalhar numa novela mexicana?
Jacques (gargalhando): Por que você está me perguntando isso?
Pilar: Porque nas novelas mexicanas o galã chega perto da heroína e fala pra ela, do jeito que você falou, com os olhos profundamente sérios e olhando nela: 'Precisamos nos conhecer melhor'. Não é assim?
Jacques: Você é demais. Eu te beijo e você leva na brincadeira assim.
Pilar: Isso é uma forma de dizer pra você que eu ainda não consigo levar você a sério.
Jacques: Me dá uma chance, Pilar.
Pilar: Eu adoraria te dar uma chance, mas eu ainda não me sinto livre o suficiente. Eu acho que ainda não consigo passar desse beijo. Além do que, por que um médico como você, jovem e charmoso, iria se interessar por uma mulher mais velha? Por quê?
Jacques: Eu sempre gostei de mulheres mais velhas. E você, você é muito especial Pilar.
Pilar: Então, eu agora vou fazer cara de atriz mexicana e vou responder pra você o seguinte: Me dá um tempo, por favor. Um pouco de paciência comigo, ta bom?

É interessante ver Carrasco refletir, no fundo, sobre o próprio absurdo de algumas situações que criou. Mas esta cena não alivia em nada a sensação de que "Amor à Vida", como um todo, configura uma espécie de retrocesso na história da telenovela brasileira.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.