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Entenda por que,10 anos depois, autores ainda brigam por causa de Esperança

Mauricio Stycer

03/11/2013 05h01

esperancareynaldoanapaula

Reescrevendo "Meu Pedacinho de Chão", para substituir "Joia Rara" na faixa das 18h da Globo, Benedito Ruy Barbosa disse em uma entrevista que pretende adiantar ao máximo o trabalho. Ele quer evitar o problema que ocorreu em "Esperança" (2002), novela que não conseguiu completar por problemas de saúde, sendo substituído por Walcyr Carrasco.

"Ele estragou tudo", lamentou Barbosa, ao falar do resultado final de "Esperança". Carrasco reagiu dizendo: "Gostaria de lembrar que peguei a novela com 32 de audiência e entreguei, no ultimo capitulo, com 54. Não acho que estraguei tudo não. Mas dei nova dinâmica a seus personagens, talvez afetados por sua doença."

Para quem se surpreendeu com a troca de chumbo entre dois autores da Globo, convém lembrar que essa briga já dura mais de 10 anos. A novela, lançada em junho de 2002, foi encomendada pela emissora na tentativa de faturar com o sucesso da obra anterior de Barbosa, "Terra Nostra", exibida entre 1999 e 2000. Não deu certo. A audiência não foi tão boa  e, para piorar, ainda ocorreu esta tumultuada substituição.

Ao longo do tempo, a discussão entre Barbosa e Carrasco apresentou diferentes versões e feições. Em pelo menos dois livros, um deles editado pela própria Globo, eles falam dos problemas ocorridos.

benedito2Em "Autores – Histórias da Teledramaturgia", publicado em 2008, Barbosa revela que o plano inicial da emissora era chamar a novela de "Terra Nostra 2". Também conta que foi contra o plano de estrear "Esperança" em junho de 2002, porque coincidiria com a Copa do Mundo (realizada entre 31 de maio e 30 de junho) e com as eleições presidenciais (6 e 27 de outubro). Além de ter ficado contrariado, o autor também enfrentou problemas pessoais. Veja

"Minha mãe estava doente. Eu deixava de escrever para ir ao hospital, voltava para casa chocado, tentando escrever. Não dá para fazer graça com o coração apertado. Foi ficando muito difícil para mim, até que, um dia, resolvi parar. O médico tirou uma chapa do meu pulmão e disse que eu só tinha mais um ano, um ano e meio de vida, que eu estava podre. Quando vi a chapa, levei um susto: larguei o cigarro em cima da mesa do médico e nunca mais peguei."

Barbosa não cita o nome de Carrasco na entrevista. Chama-o de "o autor que me substituiu". Diz que brigou com ele, mas fez as pazes. "Entendi os motivos dele". E revela que deixou uma sinopse escrita com a continuação da história, mas aparentemente Carrasco não a recebeu. "Se ele tivesse recebido a sinopse que deixei com a continuação da história teria feito tudo que imaginei".

walcyr2No mesmo livro, Carrasco faz outras revelações importantes. Primeiro, conta que não acompanhava a novela quando foi convocado a substituir Barbosa. "Até assistia, mas não diariamente". Então, decidiu: "Não sei fazer do jeito que ele fez até aqui, eu não sou ele. Então, vou pegar a história e dar o encaminhamento às tramas e aos personagens da forma que eu faria."

Dois aspectos da história narrada neste livro me chamam a atenção. Primeiro, se Barbosa deixou uma sinopse, por que Carrasco não a recebeu? Segundo, por que o autor substituto não conversou com o titular?

Em 2009, no livro "A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo", a briga ganha novos contornos. Diz Barbosa que Carrasco mandou uma carta com pedido de desculpas pelas mudanças que fez na novela. Veja:

"Quando ele (Carrasco) assumiu a novela, deixei de assistir. Se visse, queria bater nele. Na época, liguei para o Mário Lucio Vaz (então diretor artístico da Globo): 'Olha, Mário, avisa o Walcyr que, quando eu encontrar com ele, eu vou dar porrada, entendeu?' Ele simplesmente acabou com a minha novela. Não terminou como eu queria. Depois, mandou uma carta pedindo desculpas. Coitado! O sujeito andava ressabiado comigo. No fim, tudo terminou bem. Acendemos o charuto da paz."

esperancagianechinnifantinJá Carrasco explica no livro por que não consultou Barbosa sobre as mudanças que fez e disse que entendia a chateação do autor. Veja:

"Eu o entendo perfeitamente. É como dar o filho para o outro educar. No lugar do Benedito eu também teria ficado muito mal. Não pude conversar com ele devido ao seu estado de saúde. Mas, quando assumi a novela, quis imprimir meu ritmo. Não havia como tentar ser igual a ele. Por sinal, o Benedito é um dos autores que mais admiro na história da televisão."

É interessante ver que, mais de dez anos depois, as feridas ainda não cicatrizaram e os dois autores ainda discutem a respeito deste assunto. Apesar de ter dito que fez as pazes com Carrasco, Barbosa mostra que não superou as alterações em sua novela – uma situação, de fato, incomum. O tema daria uma excelente reportagem no "Vídeo Show", não?

Fotos: Leonardo Colosso/Folhapress (Barbosa) e Foto Rio News (Carrasco)

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.