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Em cinco entrevistas, Boni conta causos, acerta contas e tenta negar a vaidade

Mauricio Stycer

28/11/2011 13h50

As aguardadas memórias de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho finalmente estão sendo publicadas. Intitulado "O Livro do Boni", a obra chega às livrarias precedida de grande campanha de marketing.

Neste final de semana, o homem a quem se credita boa parte do sucesso da Rede Globo se expôs em cinco entrevistas. Contou ótimas histórias, quase todas já conhecidas, distribuiu elogios para os amigos e promoveu bastante o próprio livro, como seria de se esperar.

Habilidoso, Boni contornou várias boas perguntas com respostas evasivas ou genéricas. Em um raro momento, na entrevista à Globo News, escorregou numa casca de banana. Convidado a dizer, de zero a dez, o quanto é vaidoso, respondeu "zero" – o que, digamos,  não combina muito com alguém que está lançando uma obra chamada "O Livro do Boni", ilustrada apenas com uma foto retocada em close e seu nome em caracteres gigantes.

As entrevistas também serviram para Boni revelar alguns acertos de contas com adversários, rivais e inimigos. É o caso dos trechos que selecionei abaixo: as críticas sutis aos dois executivos que o sucederam na Globo, um comentário sobre a Rede Record, o "causo" que contou sobre Gloria Magadan, a observação sobre Walter Clark e o comentários sobre as novelas atuais da Globo. Por fim, mostra o último trecho que separei, a campanha de lançamento do "Livro do Boni" também está servindo para o executivo pedir desculpas públicas pelas famosas grosserias que cometeu ao longo de sua trajetória.

Como compara a televisão do seu tempo com a de hoje?
Acho que se perdeu muito do espírito artístico da coisa. A TV Globo teve três fases: a primeira, que é a minha, em que o artístico comandava a empresa. Depois a da Marluce (Dias da Silva) onde o administrativo comandava. E hoje temos a fase do Octavio Florisbal, que pelo menos é mais saudável, onde é o comercial que comanda. No meu entender, a finalidade última da TV é artística, e não comercial, nem administrativa. A TV não pode obrigatoriamente estar a serviço do mercado. (Entrevista à "Folha de S.Paulo")

O que o senhor faria para alavancar a audiência da Record?
Venderia! Entregaria a Record para um grupo não religioso e contrataria profissionais de verdade para trabalhar. (Entrevista a "O Dia")

O senhor conta que teve problemas com Glória Magadan, então principal autora de novelas da Globo, quando o senhor chegou lá, em 1967…
As desavenças com ela me machucaram muito. Glória era uma pessoa difícil, triste, bebia bastante. Mas confesso que, quando a demiti, não fiquei contente, tive pena dela. Glória tinha qualidades, muita experiência de novela em Cuba, sabia montar e administrar equipes. Ela tinha implantado a base, mas o conteúdo era errado. Só que ela tinha um contrato que lhe concedia direitos leoninos… Mas aí é que eu digo: "Sou chatinho" (risos)… Pedi uma cópia do contrato dela ao departamento pessoal e deixei afixada atrás da minha mesa de trabalho. Lia e relia todos os dias até encontrar uma cláusula que favorecesse a Globo. Descobri que ela não poderia decidir quantos capítulos teria uma novela. (Entrevista a "O Globo")

"Walter (Clark) foi vítima de um temperamento sensível e uma vaidade sem limites, que o levaram ao alcoolismo."
"Começo a ver (novelas), mas é uma gritaria tamanha que eu acho que é comigo, que estão querendo que eu confesse alguma coisa. Assim não dá." (Entrevista à "Veja", não disponível online")

Com quem você foi confessadamente injusto?
Acho que fui injusto com todos os meus amigos e funcionários. Fui duro com eles. Porque a televisão brasileira nasceu baseada no teatro, no circo e especialmente no rádio, enquanto a televisão americana nasceu baseada na indústria cinematográfica. Nós não tínhamos know-how como fazer televisão. Não sabíamos fazer televisão. E havia pressa. Quando há pressa, a educação, o carinho são às vezes substituídos por uma coisa mais rápida que é o palavrão. Mas sempre tentei explicar aos meus companheiros que quando você faz um trabalho ruim não quer dizer que você seja ruim. Você pode ser bom. Aquele trabalho é ruim. Vamos separar nestas críticas as pessoas do que elas fazem. Você pode errar uma vez, acertar outra. Eu devo ter sido não injusto, mas fui duro e impiedoso. Eles que me perdoem, mas não havia outro caminho. (Entrevista ao canal pago Globo News)

Foto: Eduardo Knapp/Folha

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.