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Ferrugem “come” a homenagem de Flavio de Carvalho a Lorca

Mauricio Stycer

19/01/2011 11h11

Vítima de um atentado a bomba na década de 60 e de um incrível seqüestro nos anos 70, o "Monumento a Federico Garcia Lorca", instalado no centro da Praça das Guianas, no Jardim América, em São Paulo, sofre atualmente da falta de cuidado. A obra, de Flavio de Carvalho (1899-1973), está sendo comida pela ferrugem e precisa de restauração urgente.

A história do monumento, detalhada no site do Departamento do Patrimônio Histórico (DPH), é fantástica. Garcia Lorca (1989-1936), como se sabe, morreu durante a Guerra Civil espanhola, assassinado pelas forças franquistas, anticomunistas.

A ideia de homenageá-lo em São Paulo partiu de exilados espanhóis republicanos e contou com o apoio do escritor Paulo Duarte (1889-1984), que indicou Carvalho para realizar a obra. O monumento foi inaugurado em 1º de outubro de 1968, com a presença do poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973), que três anos depois ganharia o Nobel de Literatura, e de um irmão de Lorca.

Na madrugada de 20 de julho de 1969, uma explosão danificou seriamente a escultura. O atentado foi então atribuído ao CCC (Comando de Caça aos Comunistas). Folhetos deixados junto à obra tratavam Lorca como "comunista e homossexual".

Em 1971, Flavio de Carvalho aproveitou os destroços, guardados em um depósito da prefeitura, e restaurou a obra. O seu objetivo era expô-la na Bienal de São Paulo, mas só conseguiu exibi-la do lado de fora do prédio. Mesmo assim, por apenas dois dias. Segundo o DPH, o embaixador da Espanha reclamou da presença da "escultura do comunista" e ela voltou ao depósito.

As aventuras do monumento ganharam novo capítulo em 1979, quando alunos da ECA e da FAU, ambas da USP, falsificaram documentos e roubaram a obra. O episódio cinematográfico está relatado em detalhes numa reportagem de Cadão Volpato na revista "Piauí", edição número 6, de março de 2007. Por três meses, os cabeludos estudantes trabalharam na sua recuperação e a depositaram no vão livre do Masp, exatamente no dia em que o então prefeito Olavo Setúbal (1923-2008) participava de um evento no local.

Segundo os relatos, Pietro Maria Bardi (1900-1999), criador e diretor do museu, e o prefeito não aprovaram o ato. Dias depois, finalmente, a obra foi recolocada na praça das Guianas, seu local de origem, onde está até hoje.

Em 1992, por ocasião dos festejos do quinto centenário do descobrimento da América, o monumento passou por uma nova restauração, proposta pelo Centro Cultural Garcia Lorca.

Procurada por este blogueiro, a Secretaria de Cultura, a qual o DPH está vinculado, informou que há um mês, em dezembro de 2010, assinou um "Termo de Doação de Serviços de Conservação e Restauro" com a Companhia de Restauro. Esta empresa deve agora apresentar um projeto para análise e aprovação do governo municipal. "Isso significa que a recuperação da obra está próxima de acontecer", diz, com otimismo, a assessoria da Secretaria de Cultura.

O arquiteto Francisco Zorzete, proprietário da Companhia de Restauro, estima em quatro meses o tempo para recuperar o monumento. Grande admirador de Flavio de Carvalho, Zorzete observa que a deterioração está ligada ao material escolhido pelo artista (ferro, e não bronze) e à falta de conservação.

"O ferro é um material muito sujeito a intempéries. Mas isso seria evitado com a conservação permanente. Igual você faz em casa, com as esquadrias de ferro da sua janela", diz.

Atualizado em 20 de janeiro, às 11h.

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.