No meio do caminho da crítica tinha um poema
Escrito em 1924, publicado pela primeira vez em 1928, "No Meio do Caminho" virou uma espécie de "poema-celebridade" em 1930, ao ser incluído em "Alguma Poesia", o livro de estreia de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Foi, a partir de então, objeto de um sem número de chacotas, ironias e, para muitos críticos, se tornou a forma mais fácil de alvejar o modernismo.
Em 1967, Drummond surpreendeu a todos com a publicação de "Uma Pedra no Meio do Caminho – Biografia de um poema". O livro traz centenas de textos com críticas, comentários, observações e referências ao poema – em particular, aos dois versos célebres: "No meio do caminho tinha uma pedra / Tinha uma pedra no meio do caminho".
É um livro "divertidíssimo", como descreve o poeta Eucanaã Ferraz, responsável pela publicação de uma nova edição, ampliada e caprichada (Instituto Moreira Salles, 344 págs., R$ 50).
Duas são as principais diversões desta "Biografia de um poema". A primeira, que salta aos olhos, é acompanhar hoje como tantos críticos não foram capazes de compreender a originalidade do poema e reagiram a ele com pedras. "Malfadado Drummond", "patusco", um regresso "à idade da pedra" são alguns dos qualificativos dados ao poeta e a seu poema por parte da crítica da época.
O segundo divertimento do livro é o que ele nos oferece de pistas sobre o perfil do próprio Drummond. Durante anos, ele colecionou absolutamente tudo que se escreveu sobre ele e seus versos famosos. "Uma Pedra no Meio do Caminho – Biografia de um poema" é organizado em capítulos que lembram pastas de arquivo – "Reação pelo ridículo", "Muita gente irritada", "Crítica pessoal", "Das Incompreensões", "Os amigos da pedra", "Etiquetas coladas ao autor", etc. etc. etc…
Zeloso, Drummond não deixa passar nada. Captura até notinhas em jornais, que citam os versos do poema ao brincarem com outros assuntos, como esta menção no "O Globo", de 1948: "Amigos da Pedra – Acaba de ser eleita a diretoria da Sociedade Amigos da Pedra de Guaratiba. – Se fosse só Amigos da Pedra, apostaríamos que o presidente seria o Carlos Drummond – comenta o Álvaro Lins."
Por fim, como observou o escritor Bernardo Carvalho na "Folha", o livro oferece um terceiro atrativo: "Nem por isso ele deixa de fazer pensar que o alívio promovido pela consagração do justo e pela ridicularização do erro, embora resultado de um esforço de inteligência, pouco contribui para que vejamos melhor como a estupidez se renova e se dirige a novos objetos".
Em outras palavras, escreve Carvalho, ver como os críticos se enganaram com Drummond não é garantia que os nossos contemporâneos não estejam se enganando com outros autores. Escreve ele:
A cegueira é sempre outra. A pedra de Drummond já não atravanca o caminho de nenhum crítico (o que é um avanço), nem mesmo daquele que corresponde hoje ao antimodernista da época do poema. E que certamente seguirá se deleitando com um livro divertido como esse, identificando-se com a boa crítica (porque ninguém quer se identificar com imbecis), no conforto da chancela da história, pronto para perpetrar novos estragos no presente.
Em tempo: No site do IMS é possível ver um vídeo com a leitura de "No Meio do Caminho" em doze diferentes línguas. A página reproduzida acima é da primeira edição de "Alguma Poesia", de 1930.
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