Topo

As entrevistas de Dilma

Mauricio Stycer

02/11/2010 13h55

No dia 28 de outubro de 2002, 24 horas depois de superar Serra nas urnas, Lula sentou-se ao lado de William Bonner, no estúdio da Rede Globo em São Paulo, e ali ficou do início ao fim do "Jornal Nacional". Respondeu a perguntas do apresentador e de Fátima Bernardes, que estava no Rio, além de acompanhar e comentar reportagens exibidas. Ao final, depois de ouvir o "boa noite" de Fátima, ainda atendeu a um pedido de Bonner para mandar "sua mensagem aos milhões de brasileiros que nos acompanham aqui".

Lula, na ocasião, foi muito criticado por privilegiar um veículo, ainda que líder de audiência, em detrimento de outros. A entrevista também foi questionada por um aspecto que acabaria sendo uma marca do futuro presidente – o seu jeito informal, pouco cerimonioso, em aparições públicas.

Oito anos depois, no dia 1º de novembro de 2010, a presidente eleita Dilma Rousseff também se sentou ao lado de William Bonner no dia seguinte à eleição. Mas houve algumas novidades em relação ao gesto de Lula.

Quarenta minutos antes de sua aparição no JN, Dilma surgiu, ao vivo, no "Jornal da Record". Por 15 minutos, iniciado com um "boa noite, TV Record", a presidente eleita conversou com as jornalistas Ana Paula Padrão e Adriana Araújo em um ambiente caseiro não identificado. Antes, durante e depois, a emissora sublinhou se tratar da "primeira entrevista de Dilma".

Ainda na segunda-feira, segundo relatou o jornalista Fernando Rodrigues em seu blog e no Twitter, Dilma gravou entrevistas com outras duas emissoras (RedeTV e TV Brasil) e programou duas conversas para esta terça-feira (Band e SBT).

Dilma não fez nenhuma revelação importante nas entrevistas, mas elas chamaram a atenção por tratarem, de forma distinta, de um mesmo tema: liberdade de imprensa. No JR, Adriana Araujo disse:

Eu queria falar um pouco da imprensa. Nesta campanha, a senhora reclamou algumas vezes de algumas reportagens e da cobertura de parte da imprensa, que fez críticas muito duras a senhora, com apoio declarado ou velado a José Serra. Em algum momento a senhora se sentiu perseguida? Desrespeitada?

E Dilma respondeu:

Eu me entristeci em alguns momentos, mas acho que não cabe, por parte de uma pessoa pública, qualquer nível de crítica, tentando coibir o que a imprensa disse ou deixou de dizer. Eu prefiro as vozes críticas do que o silêncio das ditaduras. (…) Não tenho nenhuma complacência com qualquer processo de inibição de manifestação da mídia por qualquer motivo que seja. Aliás, sempre brinco que controle remoto na mão do espectador é o melhor que pode ter por parte da população em relação à mídia. Ele decide ao que vai assistir, o que vai ler.

No JN, Dilma ficou ao lado de Bonner por 25 minutos. Como ocorreu com Lula em 2002, respondeu a perguntas e assistiu a diferentes reportagens sobre a sua eleição. Chegou a brincar com o apresentador. "É uma novela?", perguntou. Pego de surpresa, Bonner respondeu: "É quase isso. Bom, poderia ser uma novela de grande sucesso."

Ao final do encontro, Bonner disse:

A senhora disse ontem e repetiu aqui durante essa entrevista, uma defesa à liberdade de imprensa. Nós aqui estamos entendendo a sua presença no Jornal Nacional como uma demonstração enfática disso, e queremos dizer que nós da imprensa aguardamos diversas oportunidades como essa. Está certo, talvez não precise nem vir até aqui, mas que nos abra a oportunidade de uma conversa franca, porque faz parte da democracia que a senhora mesma defendeu.

Ao que a presidente eleita respondeu:

Faz parte da democracia. Eu acho que o Brasil pode dar uma demonstração de muita vitalidade com a imprensa livre que nós temos e com essa relação em que, muitas vezes, as críticas existem e eu acredito que elas cumprem um papel no Brasil. Pode ter certeza que da minha parte a minha relação com a imprensa vai ser sempre uma relação respeitosa.

Para entender um pouco mais o que foi dito e o que ficou nas entrelinhas, é preciso levar em conta que, nestes oito anos, a Rede Record ultrapassou o SBT e se tornou a segunda principal emissora do país, em termos de audiência, com uma postura de claro confronto com a Globo. A Igreja Universal, a qual pertence a rede, manifestou abertamente apoio ao governo Lula e pastores pediram votos a Dilma durante os cultos, nos últimos meses.

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.