Por que os remakes de humor não incluem novos personagens?
Recebi de Magalhães Jr., roteirista de TV com mais de 30 anos de experiência, incluindo trabalhos para vários programas de humor, como "Escolinha do Professor Raimundo" (Globo), "Escolinha do Golias" (SBT) e, até hoje, "A Praça é Nossa" (SBT), o texto abaixo. Ele fala sobre o projeto de refazer "Os Trapalhões" com novos atores e elogia a segunda temporada da nova "Escolinha do Professor Raimundo", mas questiona: por que os remakes não incluem novos personagens?
Tenho lido a respeito do remake de "Os Trapalhões", que a TV Globo pretende fazer. Visto como uma homenagem, parece-me interessante. E mais ainda será se houver o cuidado de incluir Renato Aragão e Dedé Santana, que aí estão, sem falar no Mussum e no Zacarias, que sempre estarão.
Esse será o segundo remake num espaço de dois anos. A "Escolinha do Professor Raimundo" foi uma iniciativa muito bacana, que teve performances marcantes e deliciosas juntamente com um viés de muita emoção. Deu tão certo que agora temos uma segunda temporada com o título de "Escolinha do Professor Raimundo – Nova Geração". E é neste ponto que me pergunto: por que "nova" se os personagens são aqueles mais do que consagrados?
Antes, deixe-me dizer que não sou contra o remake do humor daquilo que foi sucesso, embora eu mantenha sempre um pé atrás quando lembro da malfadada tentativa da TV Record em emplacar a "Nova Família Trapo" (2013) — que, para a felicidade geral da nação humorística, não passou do número um. Me lembro que, na época, lhe enviei um texto em que criticava duramente a total falta de conhecimento do que fora o programa nos anos 60. Você, aliás, teve a gentileza de postá-lo em seu blog.
Mas o ponto que eu gostaria de comentar não é o remake em si e sim o fato de eu não conseguir entender por que não há uma atualização em termos de personagens mesmo que mesclados àqueles consagrados pelo público.
"A Praça É Nossa", programa que conheço muito bem, quando estreou em 1987, era um revival do revival. Sim, era um revival da "Praça da Alegria", da Globo (1977/78), que por sua vez era um revival da "Praça da Alegria" criada pelo velho Manoel de Nóbrega, em 1957, e inicialmente exibida pela TV Paulista, Canal 5.
"A Praça É Nossa" trazia de volta seus personagens consagrados (com exceção feitas a Golias, que só viria em 1990), mesclados com a criação de outros mais atuais para a época: Guarda Juju (com o comediante Teobaldo); Risadinha (com o ator Bahia) e o Metaleiro (com o comediante Carlos Leite). Pouco tempo depois chegaram Dona Jupira (a comediante Fafy Siqueira) e Vera Verão (o comediante Jorge Lafond).
Assim como em "A Praça É Nossa", que tem no banco um herdeiro de Manoel de Nóbrega, a "Escolinha" traz, sentado à mesa do professor, um herdeiro de Chico Anysio: Bruno Mazzeo, que eu, particularmente, considero um Professor Raimundo Nonato Jr. O DNA do programa permanece. Ponto.
Então, por que os remakes de humor não trazem novos personagens?
Do meu ponto de vista, uma explicação talvez resida no fato de que pelo menos as duas últimas gerações do humor televisivo tiveram sua formação principal vinda do stand up comedy. Este segmento de humor não se utiliza do personagem e sim do trabalho de ator que, sozinho no palco, leva ao público a sua visão humorística dos fatos cotidianos.
É bem verdade que nem todos seguem essa premissa e transformam o espetáculo de stand up numa simples colcha de retalhos de piadas compiladas da internet. É daí, deste segundo time de stand up, que, em geral, saem os que vão para a TV e desenvolvem apenas tipos: um bêbado, uma perua, um gay, uma louca, um gordo… Tipos sobrevivem, quando conseguem, exclusivamente da piada e do bordão. Já o(a) personagem vive da sua personalidade e coerência; de como pensa e como age.
Voltando no tempo, basta lembrar que em "Sai de Baixo", nos anos 90, tínhamos Magda (Marisa Orth), um tipo; e Caco Antibes (Miguel Falabella), um personagem. Ria-se do que a Magda falava e ria-se de como Caco Antibes agia e reagia diante dos fatos.
Pode ser que na quase falência do humor em rádio e na grade apertadíssima das emissoras (muitas, como nas rádios, por terem loteado sua programação a televendas, milagres e outras coisas) esteja um dos motivos da dificuldade em se encontrar criadores de personagens: a falta de espaço para exercitar. Há exceções, claro, como o que se vê no trabalho de Marcelo Adnet, Marcius Melhem, Marley Cevada, Marco Luque e Dani Calabresa. Mas sinto que é preciso mais ainda.
Acredito muito no humor e na comédia como forma de crítica e transgressão ao que é pré-estabelecido. Se não acreditasse, não estaria há mais de três décadas vivendo disso e nem estudando a respeito. Por isso, penso que está mais do que na hora de os responsáveis pelo humor televisivo, e de outras mídias também, criarem espaços e alternativas para que a experiência e a força jovem possam compartilhar, debater e encontrar caminhos para essa forma de arte tão complexa, que se chama humor.
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