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“Se Joga” nasce alegre, caótico e digital, mas não muito original

Mauricio Stycer

30/09/2019 15h28

Fabiana Karla, Érico Brás, Paulo Vieira e Fernanda Gentil na estreia de "Se Joga"

"Se Joga" estreou nesta segunda-feira (30) com a dupla missão de substituir um programa que permaneceu no ar por 35 anos e, não menos importante, recuperar a liderança da audiência perdida para a concorrência no horário.

Não são tarefas fáceis. A nova atração nasceu como um programa de auditório alegre, caótico e sintonizado com o mundo digital, sem a pretensão de parecer original e sem esconder que é herdeiro do falecido "Vídeo Show".

Não por acaso, o convidado mais reluzente da estreia foi Paolla Oliveira, que vive Vivi Guedes, uma influenciadora digital, na novela "A Dona do Pedaço". Convidada a falar sobre como usa o celular, disse que quem entende do assunto é a sua personagem.

"Se Joga", na prática, mostrou sintonia com a tendência geral nos meios de comunicação de submeter o conteúdo aos interesses do público. A tal "nuvem de palavras" com os assuntos mais comentados pelos espectadores, também exibida no "Encontro com Fátima Bernardes", evidencia explicitamente que a ambição de surpreender é menos importante que a obrigação de agradar.

Foi o caso dos VTs sobre um mutirão de tatuadores, o "desafio da maquiagem", "padre sarado" e Reynaldo Gianecchini falando de sua sexualidade ("não cabe numa gaveta") – todos temas do momento.

"Manda zap pra gente", pediu o programa, dando o tom da preocupação com o amigo internauta. Não foi o único momento em que lembrou atrações de emissoras concorrentes, que exploram com mais desenvoltura este tipo de comunicação com o espectador.

Como antecipado pelo ator e comediante Paulo Viera em seu perfil no Twitter, o quadro "Emergente como a Gente", que ele apresentava no "Programa do Porchat", na Record, foi recauchutado e virou "Isso É Muito Minha Vida" na nova atração. O que no passado seria impensável, por motivo de orgulho ou soberba – a Globo reaproveitar uma ideia da concorrência –, em 2019 é visto com naturalidade. Bom.

O mesmo vale para a piada feita na abertura – Fernanda Gentil saindo da geladeira –, muito semelhante a uma exibida pela Record com Rafael Cortez, em 2014.

Na empolgação da estreia houve, claro, muita sobreposição de vozes, com dois ou três apresentadores falando ao mesmo tempo. Em outros momentos, o trio formado por Fernanda Gentil, Érico Brás e Fabiana Karla pareceu um jogral. Mas coloco estes problemas na conta do nervosismo do primeiro dia.

Antes mesmo da estreia, "Se Joga" já enfrentava uma inexplicável implicância de alguns espectadores, com comentários ácidos nas redes sociais e previsão de fracasso. Esta má vontade talvez tenha sido consequência da longa maturação do projeto, com muitas idas e vindas sobre o conteúdo e, até mesmo, sobre os apresentadores.

Trata-se da primeira estreia de peso sob a responsabilidade do jornalista Mariano Boni, que assumiu o comando de uma parte do Entretenimento da Globo no final de novembro de 2018. Fernanda Gentil deixou o "Esporte Espetacular" pouco depois, em dezembro, com destino à área de Boni. E em janeiro, foi anunciado o fim do "Vídeo Show", que era exibido desde março de 1983.

O "programa de Fernanda", como ficou conhecido, demorou muito para nascer. Diferentes fórmulas foram testadas sem sucesso. E, ao chegar à tela, nesta segunda-feira (30), já não era mais o "programa de Fernanda".

Tenho a impressão que seria muito arriscado deixar uma responsabilidade destas na mão de uma única pessoa, ainda mais sem experiência em entretenimento. Além disso, ao dividir o comando da atração com dois atores, Érico Brás e Fabiana Karla, ambos com atuação na área de humor e na ficção, a Globo oferece mais diversidade e amplia a chance de agradar a diferentes nichos de audiência.

Audiência da estreia

Dados prévios do Ibope, em São Paulo, indicam que o programa ficou em segundo lugar, atrás da Record, durante a estreia. Entre 14h20 e 15h26, quando enfrentou o quadro "A Hora da Venenosa", dentro do "Balanço Geral", "Se Joga" registrou média de 8,6 contra 10,7 do programa da Record. Nos últimos dez minutos, entre 15h16 e 15h26, disputando público contra a reprise da novela "Bela, a Feia", "Se Joga marcou 8,4 contra 9,6 pontos. O SBT ficou em terceiro lugar em toda a duração da estreia. Estes números podem sofrer alteração na terça-feira, quando o Ibope divulgar os dados consolidados.

Nesta segunda-feira, o "Balanço Geral" estreou novo apresentador. Geraldo Luis ocupou a posição que era de Reinaldo Gottino, que trocou a Record pela CNN Brasil.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

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Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.