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Com cara de velha, “O Sétimo Guardião” busca solucionar crise das novelas

Mauricio Stycer

26/11/2018 13h03

Em um ano especialmente fraco em matéria de novelas, Aguinaldo Silva encerra 2018 olhando para trás. Nostálgica, "O Sétimo Guardião" celebra um subgênero fundamental na formação da teledramaturgia brasileira, o realismo fantástico. E, de quebra, não deixa de ser, também, um exercício de narcisismo, prestando reverência ao próprio autor.

Em inúmeras entrevistas, Aguinaldo justificou este retorno por uma outra razão. "O fato de a realidade estar muito mais forte do que a ficção. Não dá para ser realista nesse mundo. Os acontecimentos são tão terríveis que decidi voltar para o mundo fantástico, para tentar sair desse mundo terrível em que a gente vive".

Seja como uma alternativa para a crise que afeta o gênero, seja como "válvula de escape" para a realidade, "O Sétimo Guardião" é uma novela antiga, intencionalmente revivida. Seria o que os americanos, falando da atual recriação de várias séries consagradas no passado, chamam de "reboot".

Pelo menos três novelas do próprio Aguinaldo dialogam explicitamente com "O Sétimo Guardião": "Fera Ferida" (1993-1994), "A Indomada" (1997) e "Porto dos Milagres" (2001), para não falar, também, de "Pedra sobre Pedra" (1992), "Tieta" (1989) e "Roque Santeiro" (1985), que navegam em rios paralelos.

Em todas, o espectador é convidado a mergulhar no cotidiano de uma cidadezinha rural do interior, parada no tempo e sem posição exata no espaço, e conhecer a intimidade de seus habitantes, quase todos apresentados com traços distintivos muito nítidos, sem medo da caricatura.

Esta configuração, na cabeça de Aguinaldo, representaria um microcosmo do Brasil e a sua exibição em uma novela seria uma forma de expor a graça e a miséria do país sem ofender o espectador, em sua maioria de grandes centros urbanos, no sofá de sua casa.

Funcionou muito bem no passado. E há motivos para acreditar que possa dar certo agora.


Exibidos 12 capítulos, chama a atenção em "O Sétimo Guardião" a sombra de um tema muito contemporâneo: a hipocrisia em matéria de moral e bons costumes. Vários personagens e inúmeros conflitos giram em torno de questões íntimas sobre sexualidade, desejo e comportamento.

Mirtes (Elizabeth Savala), a líder das beatas, encarna o suprassumo da contradição entre o que propaga e o que faz. O delegado Joubert (Milhem Cortaz) mantém a ordem em Serro Azul apenas com o seu olhar de homem mau, mas revela na intimidade que gosta de usar lingerie, o que excita sua mulher, a fogosa Rita (Flávia Alessandra).

Nicolau (Marcelo Serrado) sonha em ter um filho jogador de futebol e não aceita que Bebeto (Eduardo Speroni) ambicione seguir carreira como dançarino. Adamastor (Theodoro Cochrane), braço direito da dona do bordel, se encanta pelo homem bruto, Júnior (José Loreto), que o humilha justamente por causa de sua sexualidade.

Outro tema quente e atual que permite uma abordagem mais descompromissada graças ao realismo fantástico é a política brasileira. Aguinaldo parece estar interessado no assunto. Eurico (Dan Stulbach) é o prefeito ambicioso e corrupto de Serro Azul. No capítulo de sexta-feira (23), depois de seu filho Júnior quase ter matado Adamastor, ele ameaçou o radialista Patrício (Lucci Ferreira): "Não se atreva a comentar este episódio em sua rádio ou eu mando cortar a verba publicitária".

Outros tipos tradicionais, desenhados com tintas fortes, são o mendigo sábio (Leopoldo Pacheco como Feliciano), o padre desinibido (Aílton Graça como Ramiro), a dona do cabaré vaidosa (Ana Beatriz Nogueira como Ondina), a esotérica sincerosa (Zezé Polessa como Milu) e a mulher deslumbrada do prefeito (Letícia Spiller como Marilda).

Além do espírito passadista, várias são as referências explícitas a outras novelas do próprio Aguinaldo, das menções às cidades de Greenvile e Tubiacanga ao retorno dos personagens Ypiranga (Paulo Betti) e Scarlet Pitiguary (Luíza Thomé).


Mesmo os personagens urbanos, os vilões e inimigos Olavo (Tony Ramos) e Valentina (Lilia Cabral), estão sendo apresentados como caricaturas. Em mais de uma cena, o autor se aproveitou da dupla para exercitar metalinguagem básica ("Você tem cara de vilão de novela das nove"), uma brincadeira que o aproxima ainda mais do espectador.

Toda esta estrutura da novela, apresentada com maestria nas primeiras duas semanas, me parece tão sólida e espaçosa que, por ora, deixou em segundo plano a própria trama principal. O que não está sendo um problema, na minha opinião.

E confesso que, mesmo notando tantos truques e repetições, tendo a impressão de estar assistindo a um velho folhetim no canal Viva, reconheço que Aguinaldo Silva está oferecendo entretenimento de qualidade. Não perco um capítulo de "O Sétimo Guardião".

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

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Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.