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Espelho da Vida é uma tortura para céticos em reencarnação e vidas passadas

Mauricio Stycer

02/10/2018 05h01


Novelas que tratam de reencarnação, vidas passadas e "déjà vu" formam quase um gênero na televisão. Foram dezenas nos últimos 45 anos. Algumas tramas foram criadas sob inspiração direta da doutrina espírita, outras são livremente baseadas em variadas crenças espirituais, para não falar de histórias que combinam, também, parapsicologia e outros esoterismos.

Alguns atribuem a "Sétimo Sentido" (1982), de Janete Clair (1925-1983), a primazia de ser a primeira novela contemporânea a enveredar por este caminho na Globo. A autora que mais promoveu o gênero, sem dúvida, foi Ivani Ribeiro (1922-1995), com títulos de enorme repercussão, como "O Profeta" e "A Viagem", entre muitas outras, exibidas em quase todas as emissoras.

Quase todos os autores mais conhecidos já fizeram experiências com temas do além. Entre os mais bem-sucedidos, em matéria de audiência, está Walcyr Carrasco, autor de "Alma Gêmea" e "Chocolate com Pimenta", para não falar de "Amor à Vida", que também flertou com espíritos e reencarnações.

Mas nenhum autor hoje parece tão focado neste filão quanto Elizabeth Jhin. "Espelho da Vida", atualmente no ar, é a quinta novela da autora com traços desta temática – ela escreveu também "Eterna Magia" (2007), "Escrito nas Estrelas" (2010), "Amor Eterno Amor" (2012) e "Além do Tempo" (2015-16).

Se alguém pudesse ter alguma dúvida sobre a ligação de Jhin com este assunto, a recente entrevista que deu ao crítico e pesquisador Nilson Xavier foi bastante esclarecedora: "Acredito profundamente em reencarnação e escrevo sobre o assunto com muita entrega e respeito", disse ela, acrescentando que pratica "uma espiritualidade sem rótulo".

Feito este longo preâmbulo, observo que "Espelho da Vida" não oferece absolutamente nada de novo. É mais uma novela a tentar emocionar o público com estes mesmos fenômenos e crenças sobre vidas passadas e reencarnações.

As altas audiências deixam claro que é um investimento que não demanda maiores esforços e implica em poucos riscos – os céticos e sem paciência estão em minoria e/ou não afetam em nada o desempenho de novelas como esta.

Até por isso, me permito fazer algumas observações desabridas sobre a nova novela das 18h na certeza de que não afetarão em nada o seu caminho de sucesso. Estou achando a trama bem pior – e mais primária – do que as duas mais recentes de Jhin. Nesta fase atual da teledramaturgia da Globo, em que estão dispensadas as sutilezas, "Espelho da Vida" vai direto ao ponto, não deixando para o espectador outra opção senão engolir as "mágicas" que se sucedem a cada capítulo.

A pouco experiente Vitoria Strada, novamente escalada como protagonista, parece tão perplexa quanto nós com as coincidências que levam sua personagem, Cris, a se encontrar com o espírito de Julia. Irene Ravache, igualmente, passou a primeira semana da novela sugerindo que Margot não está entendendo nada. A situação vivida por Alain e Isabel, os personagens de João Vicente de Castro e Alinne Moraes, que ficaram anos sem se falar, faz sentido numa novela dos anos 1980, mas é muito boba em 2018. Aliás, toda a caracterização da fictícia Rosa Branca reproduz preguiçosamente os clichês mais batidos sobre cidades do interior.

Ainda tem muita história por vir, e sinceramente espero que "Espelho da Vida" ofereça ao espectador algo mais do que a sensação de já ter visto esta novela antes. Por enquanto, tem sido uma pequena tortura para céticos como eu.

Correção: Uma versão inicial deste texto informava que "Sétimo Sentido" foi exibida em 1972. A informação foi corrigida. É 1982.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

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