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Casal gay na novela das 18h não foi criado para causar polêmica, diz autor

Mauricio Stycer

14/09/2018 05h01

"Orgulho e Paixão" derrubou na última quarta-feira (12) um tabu que perdurava desde a criação da faixa horária das 18h, em 1971 – um beijo entre dois homens. A cena coroou o romance entre os personagens Luccino (Juliano Laham) e Otávio (Pedro Henrique Müller). "Essa trama, que já estava prevista, se desenvolveu no momento certo, assim como a trama dos outros casais da novela que se apaixonaram", disse ao UOL o responsável pela façanha, autor da novela Marcos Bernstein. "Cenas como as que exibimos colaboram para que o preconceito diminua cada vez mais", afirmou.

Roteirista de filmes como "Central do Brasil", "Chico Xavier" e "Zuzu Angel", colaborador da novela "A Vida da Gente" e coautor, ao lado de Carlos Gregório, de "Além do Horizonte", Bernstein é o autor principal de "Orgulho e Paixão".

Na entrevista abaixo, ele comenta a cena entre os personagens Luccino e Otavio e explica o seu contexto. Também fala do trabalho dos atores envolvidos e da repercussão. "'Orgulho e Paixão' é uma novela que traz o amor em todas as suas formas. A trama do casal Luccino e Otavio não foi escrita para causar polêmica. Eu escrevi mais uma história de amor, como tantas outras na novela", diz.

Embora não fosse a trama principal de "Orgulho e Paixão", o romance entre Luccino e Otavio acabou se tornando o assunto com maior repercussão da novela. Esta história estava planejada desde o início?
Marcos Bernstein: Em "Orgulho e Paixão", outras tramas repercutiram tanto ou mais do que o romance de Otávio e Luccino. Acredito que essa trama, que já estava prevista, se desenvolveu no momento certo, assim como a trama dos outros casais da novela que se apaixonaram. O casal Aurélio (Marcelo Faria) e Julieta (Gabriela Duarte), por exemplo, também foi um casal que teve sua trama bem amarrada e desenvolvida para que o público embarcasse nesse romance, que a princípio parecia impossível. Todos os casais geraram grande empatia no público, pois foram construídos com muita leveza e delicadeza, como é o DNA da novela.

O beijo entre dois personagens masculinos numa novela das 18h é inédito. Você teve que consultar a emissora a respeito?
Otávio e Luccino é mais um casal que deu certo em "Orgulho e Paixão". Assim como os outros casais, a história deles foi construída com muita delicadeza e carinho. A trama do casal fazia sentido ser contada, no contexto de uma novela que fala de amor em várias maneiras e não tive questões com a emissora.

Mais do que o beijo, os dois personagens servem para você discutir preconceito e aceitação em 1910 e hoje. A temática está sendo tratada com realismo? Você pesquisou a respeito?
A novela nunca se propôs a ser um retrato fiel da época. E sim, a criar um universo próprio, com espaço para o lúdico e o lírico. Por isso nos sentimos muito à vontade para tratar de temas atuais, até com uma certa liberdade quando se tratando de uma novela de época. É uma característica da novela como um todo trazer temas atuais da sociedade com muita sutileza e delicadeza. Os temas de ontem acabam se misturando com a atualidade. Trazer isso para a tela com leveza e naturalidade é um grande desafio.

Como você vê as reações negativas à cena do beijo?
Acredito que cenas como as que exibimos ontem colaboram para que o preconceito diminua cada vez mais. Pelo que pude perceber, a cena teve uma repercussão muito mais positiva do que negativa por parte do público, e isso já é uma boa resposta. Acredito que os atores também são grandes responsáveis por isso. É muito gratificante ver na tela o resultado da delicadeza deste trabalho. Os atores Juliano Laham e Pedro Henrique Muller se comprometeram em entregar o melhor resultado possível, e isso é muito bom. O Laham veio trazendo desde o início uma atuação muito discreta, que foi explodindo ao longo da novela, com muita competência, já o Pedro Henrique Muller, que estreou na TV com esse papel, mostrou a que veio.

Ao exibir esta cena em 12 de setembro de 2018, em meio a uma campanha eleitoral que tem, entre outros temas, a defesa da "família tradicional" por parte de alguns candidatos, você não teme estar, de alguma forma, tomando partido?
Se tratando de uma obra de ficção, acredito que o público da novela abraçou a trama de uma forma muito natural e tranquila. "Orgulho e Paixão" é uma novela que traz o amor em todas as suas formas. A trama do casal Luccino e Otávio não foi escrita para causar polêmica. Eu escrevi mais uma história de amor, como tantas outras na novela, e por isso acredito que o público respondeu tão bem. O que importa é o amor entre duas pessoas.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

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