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Que o humor salve o rei, a Marquezine e o público da novela das 7 da Globo

Mauricio Stycer

15/01/2018 05h01


Nada contra Deus, mas o que pode mesmo salvar esta nova novela da Globo é o humor. Levando-se muito a sério, como está ocorrendo neste início, "Deus Salve o Rei" tende a se tornar uma caricatura de "Game of Thrones". O que se viu até o momento beira o constrangimento.

Sabemos todos – Globo, fãs da série da HBO e noveleiros – que não dá para mimetizar "Game of Thrones" às 19h. O horário não permite gargantas cortadas, mortes por ataque de javalis, rituais macabros, dragões assassinos etc. Também não combina com o horário do jantar da família brasileira a sujeira e a falta higiene comuns em histórias ambientadas na Idade Média – em produções caprichadas, dá até para "sentir" o cheiro ruim em casa.

A superprodução da Globo, nestes primeiros cinco capítulos, tem provocado humor de forma involuntária. O excesso de seriedade chega a parecer paródia – um problema que a concorrente "Belaventura", da Record, com menos recursos, também enfrenta.

É verdade que há um pouco de humor na trama de "Deus Salve o Rei", especialmente em torno de Rodolfo, personagem de Johnny Massaro – o príncipe destrambelhado que poderá se tornar rei. Mas o foco da novela, até agora, parece ser outro, na sua mistura de drama com romance açucarado.

É sintomático que as protagonistas da história, com direito aos nomes brilhando na abertura, sejam Bruna Marquezine e Marina Ruy Barbosa. As duas atrizes têm muito em comum. Ambas estão com 22 anos, começaram a carreira na Globo ainda crianças, são lindas e administram poderosos fãs-clubes nas redes sociais.

Catarina (Bruna) é filha do rei Augusto (Marco Nanini), do reino de Artena. Apresentada com ares de vilã, ainda não encontrou o tom da personagem e está parecendo Maria Paula em paródia de novela do "Casseta & Planeta" – ruim igual, com a diferença que no humorístico era de propósito.

Já Amália (Marina) é a feirante impecavelmente arrumada e limpa que se encanta por Afonso (Rômulo Estrela), o príncipe herdeiro de Montemor, o outro reino. A expressão da Gata Borralheira, até o momento, oscila entre dois olhares básicos: os de "me ajuda" e "não posso". Já vimos isso antes.

A entrada em cena de Tatá Werneck no papel de Lucrecia deve reforçar o núcleo de humor da novela. Ela será a mulher de Rodolfo, escolhida à distância por meio de pinturas de mulheres nobres da época enviadas ao reino. Numa alusão aos aplicativos de paquera, o retrato dela não será nada fiel à realidade, para decepção do rei, mas eles se casarão assim mesmo.

Será interessante acompanhar – e levo fé que funcionará – a parceria entre Tatá e Johnny Massaro, dois bons atores. Só lamento que várias características do atual personagem do ator lembrem o seu último trabalho na TV, o maluco Geraldinho Bulhosa, em "Filhos da Pátria". Tenho a sensação, até agora, que Rodolfo e Geraldinho são gêmeos.

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A Globo tem definido "Deus Salve o Rei", escrita por Daniel Adjafre, como "uma novela que trata das escolhas e suas consequências, e questiona o poder do destino na vida das pessoas". Acho um tema geral muito vago e fraco.

Cassiano Gabus Mendes entendeu o espírito da coisa com "Que Rei Sou Eu?" (1989). Comédia. Paródia. Pilhéria. Sátira. Gargalhada. Não era Idade Média, certo. A história se passava em 1786. Mas foi a opção pelo humor com referências à contemporaneidade que tornou a novela memorável.

Suspeito que só o humor pode salvar "Deus Salve o Rei"– e quando digo salvar me refiro aos personagens e ao público. E não se trata apenas de investir no núcleo de Massaro e Tatá, mas de levar a história da novela menos a sério.

Em texto de divulgação enviado pela Globo antes da estreia, o diretor artístico de "Deus Salve o Rei", Fabrício Mamberti, prometeu: "É uma novela que parte de uma linha dramática destes dois reinos, que dependem um do outro, e num determinado momento entram em conflito. Partimos do drama para chegar no humor".

Esta declaração me enche de esperança. Vamos dar um tempo para a novela.


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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

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